A menos de um mês
do fim da legislatura, o projeto de lei que disciplina normas sobre o
porte, a aquisição, a posse e a circulação de armas de fogo e
munições – e tenta revogar o Estatuto do Desarmamento, de 2003,
principalmente flexibilizando-o – teve a sua primeira audiência
pública nesta quarta-feira. Uma comissão especial cuida do projeto,
que pode ir direto para o plenário da Câmara dos Deputados em vez
de passar por mais comissões. A celeridade do debate gera
reclamações de que o assunto não é conduzido de forma
transparente, e essa pressa da bancada da segurança tem razão de
ser: no ano que vem, a comissão especial estará extinta.
Para o autor do projeto, Peninha
Mendonça, a rejeição da proibição das armas em referendo de 2005
não trouxe “qualquer melhoria para a população”, como escreve
na proposta que buscaria corrigir o que Peninha chama de “distorção
legislativa”. De acordo com o autor, falta controle da circulação
de armas, mas o principal tema debatido hoje na comissão especial
foi a flexibilização do porte de arma. O debate na comissão
lembrou o de nove anos atrás, quando o “sim” e o “não” à
proibição enfrentaram-se. Entre todos os assuntos na proposta, esse
é o mais polêmico. Cerca de 90% do público presente na audiência,
que acompanhava a sessão com entusiasmo, era pró-armamento. Muitos
aplausos, gritos e vaias eram ouvidos constantemente. O presidente da
comissão, Marcos Montes (PSD-MG), ameaçou por várias vezes
interromper ou suspender a sessão.
De um lado, há um sentimento de
urgência dos que são favoráveis à proposta, já que estão com os
dias contados para que ela possa chegar ao plenário sem passar por
mais comissões da Câmara. Em um rito normal, o projeto poderia
passar por até quatro comissões, o que tiraria qualquer expectativa
de data do horizonte, e colocaria a proposta em risco de
engavetamento. Do outro, há a forte crítica de que não se pode
fazer mudanças tão drásticas com somente uma audiência pública.
Esse segundo grupo conseguiu, para a semana que vem, que a comissão
se reúna na terça-feira para decidir se, no dia seguinte –
quarta-feira – faz uma nova audiência pública, a segunda,
portanto, antes de ir ao plenário.
- Culpar as armas de fogo é
falta de argumento. É o cidadão que aperta o gatilho, a culpa não
é da arma – declarou Alberto Fraga (DEM-DF), deputado que volta à
Câmara na legislatura e que lidou com o tema do desarmamento em
outros mandatos. Fraga, coronel da reserva da Polícia Militar, disse
que o combate ao crime não deve ser freado, e sim o crime.
O atual estatuto, de 2003,
estabelece que o porte de arma por civis só pode ser concedido se
for comprovada a necessidade. Já a nova proposta é mais flexível,
e coloca apenas barreiras burocráticas simples no caminho: diz que,
além de questões documentais, o cidadão precisa ter ficha limpa
quanto a antecedentes criminais e inquéritos por qualquer forma de
violência, participar de uma formação técnica e ter condições
mentais atestadas.
A proposta também delimita que a
arma só deverá ser portada por maiores de 21 anos, dentro de
residência, propriedade rural ou local de trabalho, se o portador
for o dono do estabelecimento. Além disso, o projeto proíbe o porte
de arma em lugares públicos com aglomeração de pessoas, ou quando
o cidadão estiver sob efeito de substâncias químicas que possam
alterar suas capacidades físicas.
No grupo dos que querem discutir
mais o tema, e por consequência retardar a votação para depois da
dissolução da comissão especial, Alessandro Molon (PT-RJ) criticou
a rapidez com que o tema é conduzido, e pediu mais uma audiência. O
presidente da comissão, Marcos Montes (PSD-MG), retrucou que o
próprio PT atrasou a formação da comissão, ao demorar na
indicação de seus parlamentares, mas Montes concordou em reunir a
comissão na semana que vem novamente.
- Um assunto tão sério somente
com uma audiência pública? A comissão não vai cometer esse erro.
Não faz sentido. Isso vai ficar muito feio para esta Casa – disse
Molon, que, na esteira do desarmamento propriamente dito, disse que
para cada caso de necessidade de um cidadão portar arma em casa, há
“vários casos trágicos”.
- A população brasileira não
tem segurança pública, não tem a quem recorrer. Ninguém quer o
porte de arma, mas tem que ter controle. Eu sou gaúcho, estado que
marcou fronteira na pata do cavalo e ponta de lança – bradou o
ex-deputado estadual Sérgio Ilha Moreira, que, assim como Jair
Bolsonaro (PP-RJ), afirmou que mesmo se for proibido, ele terá uma
arma para defender sua família.
Fora do Congresso, a tentativa de
alteração do estatuto também levantou discussões. Várias
entidades, principalmente organizações não governamentais (ONGs)
enviaram ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PDMB-RN),
uma carta pedindo a rejeição da nova proposta.
- O Estatuto não é uma lei
perfeita, mas é uma lei. A grande falha é na aplicação. Tem que
enfrentar fronteiras, mercado informal, muitos aspectos – declarou
Rubem César Fernandes, diretor da ONG Viva Rio. Sem debate nenhum, o país todo voltado para temas
mais importantes, como a economia e a corrupção. É uma comissão
muito especial. Tão especial que eles dominaram. O ambiente é
secreto, sem debate.
Fonte: O Globo
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