Por Gabriel Castro
O
espectro político brasileiro é peculiar: na ponta esquerda, tem o
jurássico PCO. Passa por socialistas radicais, como o PSOL e o PSTU,
pelos comunistas conformados do PPS, pelos social-democratas do PT e
do PSDB, pela esquerda verde do PV e se encerra no centro, onde estão
PP e DEM. Não há, entre os 27 partidos brasileiros, um que se
assuma como direitista. E o recente anúncio da criação do PSD, que
se define como social-democrata, abre um buraco no DEM e empurra o
eixo da política brasileira ainda mais para a esquerda.
A
situação é única. Todas as grandes democracias do mundo têm ao
menos um partido conservador forte, como o PP espanhol, o Partido
Republicano dos Estados Unidos, a UMP francesa e o PDL italiano. O
que teria levado a direita brasileira à lona enquanto, em outros
países, como os vizinhos Chile e Colômbia, ela ocupa o poder
máximo? Para especialistas e políticos ouvidos pelo site de VEJA, a
causa está na herança maldita da ditadura militar.
O
primeiro a definir o conservadorismo como uma doutrina política foi
o inglês Edmund Burke, no século XVII. Esta corrente política
considera que os indivíduos realizam as coisas melhor do que o
estado. Que as liberdades individuais devem ser mantidas a todo o
custo. E que os valores tradicionais da sociedade devem ser
preservados. Nas democracias modernas, o conservadorismo se traduz
como uma recusa ao estatismo, a defesa do livre mercado, a proteção
da família e a oposição a medidas como a legalização de drogas e
do aborto.
No
Brasil, o discurso adotado pelos partidos políticos pouco se
diferencia: todos adotam termos como “justiça social”,
“distribuição de riqueza”, “igualdade”. Obviamente, ninguém
é contra essas bandeiras, mas o linguajar denuncia que todos, por
razões diversas, adotam um vocabulário de esquerda. Expressões
como “livre iniciativa”, “responsabilidade individual” e
“valores morais” raramente são ouvidas pelos corredores do
Congresso ou do Palácio do Planalto. As palavras “social” e
“trabalhista” e “socialista” aparecem na maioria dos nomes
das legendas. Há apenas um partido que faz referência ao
liberalismo – o PSL, que, ainda assim, também se diz social – e
nenhum que tenha a expressão “conservador” no nome.
Situações
peculiares – O
declínio de valores não-esquerdistas se acentuou a partir do
governo Lula, quando o PT moderou seu posicionamento e roubou parte
do discurso de partidos de centro. Legendas que a princípio eram
pouco afeitas às ideias do partido deixaram as diferenças de lado
para ingressar na partilha do poder: é o caso do PR, que resultou da
fusão do PL com o Prona, do PTB, do PP e do PMDB. Todos se dizem
centristas.
O
adesismo inflou o bloco governista e juntou a esquerda moderada, a
socialistas anacrônicos e a arrivistas de olho na divisão de
benesses. Com isso , o PT arrastou consigo praticamente todos os
partidos com algum peso. PSDB e DEM permaneceram na oposição mais
por questões estratégicas do que programáticas. “Os partidos não
se posicionam amparados em raízes históricas, mas em razões
conjunturais”, opina o cientista político Leonardo Barreto. Para
ele, há espaço para o surgimento de uma legenda conservadora no
país.
Na
falta de uma direita verdadeira, a esquerda acaba inventando a sua
própria: “Oposição à direita é um erro grave porque você tem
um país com contradições sociais gravíssimas, concentração de
renda das maiores do mundo. Quer concentrar mais? À grande maioria
isso não interessa”, diz o primeiro-secretário do PSB, Carlos
Siqueira, para quem a direita trabalha para aumentar a injustiça no
país.
Mesmo
entre a oposição, o discurso ideológico não é afinado: o
presidente do PPS, Roberto Freire, faz uma diferenciação: “Existe
a oposição de esquerda, como o PSOL, PSTU e parte do PSDB. Na
oposição de direita temos o DEM”. O rótulo, no entanto, é
descartado pelos próprios democratas.
Trauma
da ditadura – Mesmo
o autoproclamado centrismo do DEM parece não ser bem recebido no
meio político: o partido, em eterna crise de identidade, já se
refundou duas vezes e tenta se livrar da pecha de conservador. Da
última vez, tentou colar a imagem ao Partido Democrata americano –
que, por lá, abriga diversos matizes da esquerda. Ainda assim, vem
sofrendo sucessivos golpes, vindos de dentro e de fora. O último
deles é o nascimento do PSD de Gilberto Kassab.
O
presidente do DEM, José Agripino Maia, reconhece que as bandeiras de
seu partido se limitam à defesa do “liberalismo moderno”. Ao
site de VEJA, ele torceu o nariz quando indagado sobre a dicussão de
temas que costumam pautar os partidos conservadores, como o casamento
gay, o aborto e a liberação de drogas: “Isso não é o carro
chefe do partido”.
De
fato, o DEM não pode ser definido como um partido de direita:
bandeiras como a redução da maioridade penal, o endurecimento da
punição a criminosos e a oposição ao desarmamento civil não são
bandeiras pela qual o DEM se empenha. “No Brasil, a direita é
muito vinculada aos regimes totalitários e estamos totalmente fora
disso. O que é esquerda? Muro de Berlim, Cuba? Estamos fora disso
também”, diz Agripino Maia. O antigo PFL, aliás, esteve ao lado
do governo petista na defesa do desarmamento da população civil, em
2005.
O
deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO) se alinha a bandeiras
clássicas do conservadorismo, como a defesa da livre iniciativa, a
não-interferência do estado na vida do cidadão e oposição à
legalização do aborto. Mas não se assume como direitista. Para
ele, o rótulo só faria sentido em países onde há tradição de
uma direita democrática, o que não existe no Brasil. “Aqui não
existe essa tradição”, explica.
Não
por acaso, os partidos não foram capazes de sintetizar a oposição
do eleitorado brasileiro à legalização do aborto. Na última
campanha eleitoral, o tema surgiu quase de forma clandestina, em
discussões na internet e nas igrejas. O PSDB de José Serra veio a
reboque, aproveitando-se do tema para criticar a petista Dilma
Rousseff – que, por sua vez, se apressou em tentar apagar o passado
e dizer que nunca havia defendido a legalização do aborto.
Petistas
e tucanos, aliás, têm mais similaridades do que diferenças. O
líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, reconhece que a disputa tem
mais a ver com a aplicação das ideias do que com a orientação
ideológica: “O PT, no poder,adotou as propostas do PSDB. Não
inovou. Não há nenhum programa social novo. Ocorre que a execução
é que é diferente. Geralmente, a postura do PT é mais promíscua
em relação ao Legislativo”, afirma.
Falta
tradição – Para
o cientista político Ricardo Caldas, a rejeição ao rótulo de
direitista está ligada à herança negativa deixada pelas legendas
conservadores no país. Estes partidos foram contra a abolição da
escravidão, contra o fim da monarquia e, na figura da Arena,
apoiaram o regime militar. Não é uma ficha corrida das melhores.
“Eles tiveram dificuldade de conviver com a democracia e ficaram
com essa pecha de antidemocráticos.”
O
especialista acredita que a direita brasileira não se modernizou. Em
vez disso, foi engolida pelo recente pragmatismo de esquerda,
difundido pelo PT, ou aderiu ao outro lado por oportunismo eleitoral.
Se o espectro político brasileiro vai da extrema-esquerda ao centro,
a disputa pelos principais postos de poder está ainda mais restrita.
Em 2010, só havia candidatos de partido de esquerda na disputa pela
Presidência da República.
Fonte: Revista Veja
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