Por Mídia sem Máscara
Olavo é um personagem tão singular no
contexto cultural em que está inserido que acaba por se tornar indecifrável
para seus pares, perturbando a comodidade das nossas taxonomias preguiçosas e
da categorização fácil.
Não se fala sobre um filósofo sem mencionar o seu pensamento e suas principais
idéias, mas vocês não encontrarão na reportagem da BBC sobre o professor Olavo de Carvalho nenhuma
palavra sobre seu trabalho filosófico — não há nada ali sobre a primazia da
consciência individual; sobre a tripla intuição e o intuicionismo radical;
sobre o conhecimento por presença; sobre as faculdades cognitivas e o primado
da memória; sobre a sinceridade como fundamento do método filosófico; sobre o
trauma da emergência da razão; sobre a teoria das doze camadas da personalidade;
sobre círculo de latência; sobre a teoria dos quatro discursos; sobre os graus
de persuasão; sobre o princípio da autoria; sobre a mentalidade revolucionária;
sobre o conceito de paralaxe cognitiva; sobre a teoria do império; ou sobre
qualquer outra contribuição do professor para a Filosofia.
Alguém interessado em defender a
reportagem poderia argumentar que esse não era o foco do jornalista e que seu
interesse era meramente sociológico, restringindo-se ao desejo de compreender o
papel do Olavo no nascimento da nova direita (sic). Ainda assim, e mesmo que se
conceda a possibilidade de compreender o papel do professor no debate público
ignorando sua Filosofia, seria necessário dar atenção pelo menos aos aspectos
mais visíveis de seu trabalho, o da crítica cultural e o da análise política.
Não é possível compreender o nascimento
(ou renascimento) do conservadorismo brasileiro, ou a ascensão do anti-petismo,
sem considerar o impacto que livros como "A Nova Era e a Revolução
Cultural" (o primeiro a denunciar as estratégias e o projeto totalitário
do PT, ainda em 1993), "O Imbecil Coletivo" e "O Jardim das
Aflições", junto com os artigos e ensaios publicados pelo Olavo em um
punhado de jornais e revistas, tiveram sobre toda uma geração de escritores e
estudiosos, que, mais tarde, repassaram as idéias do Olavo para outras pessoas,
que, por sua vez, as repassaram a outras e, assim sucessivamente, até que essas
idéias chegassem a pessoas que talvez nunca tenham ouvido falar nele. Isso para
não mencionar seus cursos e a influência mais recente do True Outspeak, de mais
de uma centena de hangouts, e do livro "O Mínimo que você precisa saber
para não ser um idiota" (citado apenas de passagem pelo jornalista).
Comparem essa reportagem com reportagens
análogas, que têm por finalidade apresentar ao grande público as inspirações
intelectuais de outros movimentos ao redor do mundo, e vocês se darão conta do
quão ruim ela é. Leiam, por exemplo, as reportagens que foram escritas sobre o
Stéphane Hessel, a principal influência do Movimento Indignados da Espanha, ou
sobre Slavoj Zizek, uma das principais influências do Movimento Occupy Wall
Street, e vocês verão como se escreve o perfil de um intelectual que exerceu
alguma influência sobre movimentos populares.
O destaque negativo da reportagem fica
com os acadêmicos entrevistados. Pablo Ortellado, Carlos Melo, Geovani Moretto
e Danillo Bragança não passam de palpiteiros e entrevistá-los não faz nenhum
sentido.
Danillo aparece na reportagem como
representante da "filosofia da academia", o que me parece
inexplicável já que ele é professor de Relações Internacionais e seu único
contato com a "filosofia da academia" se deu em um curso de
licenciatura da UERJ, universidade que, ironicamente, tem no quadro de
professores do Departamento de Filosofia pelo menos um aluno do Olavo: Rogério
Soares da Costa. Além do próprio Rogério, o repórter poderia ter entrevistado o
professor Rodrigo Jungmann
da UFPE, Ernildo Stein da
UFRGS, o Gonçalo Armijos Palácios da UFG, o Alexandre Costa Leite da UnB, e uma
porção de outros representantes da "filosofia da academia" que têm o
trabalho filosófico do Olavo na mais alta conta.
Geovani Moretto aparece apenas para
dizer que o professor Olavo é hoje um "dogmático", seja lá o que isso
significa.
A Carlos Melo é reservada a função de
dizer que o Foro de São Paulo não passa de um mito, explicando a ascensão da
esquerda como um processo natural (como se houvesse algo de natural em
movimentos ideológicos) e apresentando um dos argumentos mais risíveis que já
li sobre o assunto — o de que a derrota da esquerda em vários países da nossa
região demonstra que não havia unidade estratégica entre os membros do Foro
(como se a unidade estratégica levasse a algum tipo de invencibilidade).
Pablo Ortellado completa o festival de
asneiras com a afirmação de que o Olavo perdeu a influência por ter brigado com
todo o mundo — quem é que vende 320 mil livros e vê seu nome estampando
cartazes em manifestações populares após perder a influência?
Isso tudo é jogado no meio de miudezas
episódicas adornadas por uma menção à Desciclopédia (!!!) aqui, por uma
informação desnecessária sobre o casamento do Olavo ali, e por uma insinuação
de que ele defende a intervenção militar acolá, fazendo com que salte aos olhos
a incapacidade do jornalista de distinguir o essencial do acessório, o central
do marginal e o primordial do secundário. É por isso que eu digo que, no Brasil
de hoje, o Olavo é um hápax legómenon (https://goo.gl/8BG7Ov) — um personagem tão singular no
contexto cultural em que está inserido que acaba por se tornar indecifrável
para seus pares, perturbando a comodidade das nossas taxonomias preguiçosas e
da categorização fácil.
Seja como for, é sempre bom ver alguém
ignorando o decreto do Milton Temer e falando sobre o inominável Olavo de
Carvalho na grande mídia, estendendo a milhares de pessoas a oportunidade que
eu mesmo tive cerca de dez anos atrás.
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