Por Helena Mader / Correio Brasiliense
Em tempos de crise financeira e de dificuldades do Executivo até para pagar salários dos servidores, o gasto milionário da Câmara Legislativa com o envio de correspondências agrava o desgaste da imagem da Casa. Nos últimos dois anos, os parlamentares torraram R$ 6 milhões para mandar cartas aos eleitores — o suficiente para a postagem de 3,5 milhões de cartas comerciais. O Correio teve acesso às despesas por deputado, além de exemplos de correspondências enviadas aos brasilienses. São cartões para celebrar datas comemorativas, como aniversários e Dia das Mães, além de divulgações de ações do mandato. Os campeões de gastos com postagens foram Robério Negreiros (PMDB), Raimundo Ribeiro (PPS) e Bispo Renato Andrade (PR). Eles desembolsaram, respectivamente, R$ 179,9 mil, R$ 178,99 mil e R$ 178,91 mil no ano passado.
Cada distrital pode desembolsar
R$ 192 mil por ano com correspondências — uma média de R$ 16 mil
por mês. Mas muitos extrapolam o valor, já que líderes de partidos
ou de blocos têm direito a uma cota extra anual de R$ 38,4 mil.
Nessa rubrica, os três deputados aparecem novamente entre os
primeiros colocados: Bispo Renato usou R$ 35,5 mil do montante
disponível por liderança; Robério gastou R$ 30,9 mil; e Raimundo
Ribeiro, R$ 20 mil. Os gabinetes das secretarias e da Mesa Diretora,
além da Presidência e da Vice-presidência da Casa, têm direito a
R$ 96 mil mensais. As comissões, coordenadorias e divisões também
dispõem de recursos para a postagem de cartas.
O gasto em 2015 chegou a R$ 2,9
milhões e, no ano passado, o montante subiu para R$ 3,1 milhões. A
despesa é questionada, pois, em tempos de redes sociais, o envio de
mensagens e as divulgações de informações pela internet são mais
efetivas. Hoje, cerca de 90% dos moradores do DF têm celular,
segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Três parlamentares não gastaram com o envio de
cartas: Reginaldo Veras (PDT), Joe Valle (PDT) e Chico Leite (Rede).
O economista Gil Castello Branco,
especialista em contas públicas e fundador da organização Contas
Abertas, defende a extinção do envio de correspondência pelos
gabinetes. Para ele, os gastos com correios deveriam se restringir a
questões legais, como notificações obrigatórias. “Infelizmente,
na maioria das vezes, os homens públicos confundem o dever de
prestar contas com a realização de verdadeiras campanhas
publicitárias, sempre de olho na próxima eleição”, comenta Gil.
O especialista avalia que o envio
de cartas poderia ser substituído por prestação de contas por meio
de redes sociais, portais oficiais, WhatsApp ou divulgações
pelo site da Câmara. “É mais simples e eficiente. Hoje, todo
mundo tem celular e usa a internet nos aparelhos. O destino dessas
cartas sempre é o lixo”, lamenta Castello Branco. Ele acrescenta
que, por causa de erros cadastrais, é comum a carta se perder ou uma
casa receber várias vezes a mesma informação.
“Esses comunicados são
absolutamente inúteis. É um gasto desnecessário, sobretudo em
época de crise. Lamentavelmente, ainda há eleitores que, por
desinformação, acabam valorizando esse tipo de remessa. Ao
receberem um cartão de aniversário, por exemplo, eles se sentem
importantes. Mas alguém deveria ter coragem e extinguir essa
despesa”, decreta o economista. Ele defende que outros gastos
desnecessários sejam suspensos ou revistos, como despesas de verba
indenizatória com gasolina, aluguel de carros e de escritórios. “Se
passar um pente-fino, tem muita coisa para cortar”.
Participação
O deputado Robério Negreiros
explicou, em nota divulgada pela assessoria de Comunicação, que o
envio de cartas é parte da estratégia de mobilização. “O nosso
gabinete é um dos mais ativos da Câmara Legislativa e conclamamos
muito a população a participar do processo legislativo. Por isso,
estamos entre os gabinetes que mais enviam correspondências. Mas não
é só isso. Constantemente, visitamos as cidades pessoalmente,
levando informações e chamando as pessoas para participarem do
mandato”, explicou.
Raimundo Ribeiro alega que o
envio é legal e previsto pela Casa. “Cabe esclarecer que o valor
utilizado para custear as correspondências não ultrapassa o limite
estabelecido legalmente pela Câmara. Não há ilegalidades nesse
processo de custeio, tendo em vista que esse material é utilizado
exclusivamente como ferramenta do trabalho parlamentar”, defendeu o
deputado do PPS.
Bispo Renato (PR) promete cortar
despesas. “Apesar de não ser ilegal, esse gasto foi analisado e
repensado pelo gabinete, ou seja, todo o material de prestação de
contas e de divulgação da atividade parlamentar está
disponibilizado na internet para que o gasto seja reduzido até sua
utilização não ser mais necessária”. A nota do distrital também
defende o fim da cota para correspondências. “Mas essa medida não
pode acontecer sem estudo, pois regiões menos favorecidas não
contam ainda com acesso facilitado à internet”, concluiu.
O presidente da Casa, Joe Valle
(PDT), disse que conduzirá um processo de austeridade, prevendo,
para este ano, um corte de 50% das cotas para cartas. “A nossa meta
é fazer um corte linear de 25% em várias despesas, como telefonia,
por exemplo”, detalhou. Outra novidade anunciada por Joe é que o
gasto com correspondências será mensal e não mais cumulativo no
ano. Hoje, a maioria dos deputados gasta valores mais altos em
determinadas datas, como Natal e Dia das Mães.
Confira a lista de gastos
Gasto por gabinete
Robério Negreiros (PSDB)
R$ 179.905,26
Raimundo Ribeiro (PPS) R$
178.993,34
Renato Andrade (PR) R$
178.915,60
Júlio César (PRB) R$
147.848,26
Juarezão (PSB) R$
124.918,70
Ricardo Vale (PT) R$
123.072,06
Rafael Prudente (PMDB) R$
119.426
Celina Leão (PPS) R$
107.412,83
Luzia de Paula (PSB) R$
102.500
Rodrigo Delmasso (Podemos)
R$ 86.826,69
Chico Vigilante (PT) R$
62.205,40
Israel Batista (PV) R$
47.099,24
Liliane Roriz (PTB) R$
34.743,20
Cristiano Araújo (PSD)
R$ 23.577,76
Wasny de Roure (PT) R$
21.018
Wellington Luiz (PMDB) R$
17.916,94
Sandra Faraj (SD) R$
15.752,58
Telma Rufino (Pros) R$
6.365,89
Cláudio Abrantes (Rede)
R$ 5.783,66
Agaciel Maia (PR) R$
362,92
Lira (PHS) R$ 1,70
Reginaldo Veras (PDT), Joe Valle
(PDT), Chico Leite (Rede) sem gastos
Despesas por lideranças de
partido ou integrante de bloco
Renato Andrade (PR) R$
35.597,95
Robério Negreiros (PSDB)
R$ 30.942,88
Raimundo Ribeiro (PPS) R$
20.015,58
Luzia de Paula (PSB) R$
12.480
Roosevelt Vilela (PSB)*
R$ 5.118,59
Ricardo Vale (PT) R$
4.229,20
Rodrigo Delmasso (Podemos)
R$ 2.636,25
Celina Leão (PPS) R$
611,80
Chico Vigilante (PT) R$
121,97
Agaciel Maia (PR)
R$ 52,14
Cristiano Araújo (PSD)
R$ 33,69
Lira (PHS) R$ 32,05
Wasny de Roure (PT) R$
13,65
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