Nas
reformas em curso, faz-se necessário não desfigurar a essência de
nossas Forças Armadas
A
sociedade brasileira já percebeu a necessidade de uma bem estudada
reestruturação econômica em nosso país. Para tal esforço a
equipe técnica do governo especificou medidas imprescindíveis para
equilibrar as contas públicas.
Contudo,
do que se pode concluir da “guerra de versões”, alimentada ao
sabor de vários interesses, se aquelas ações não forem calibradas
e justas, os resultados serão desastrosos para as nossas Forças
Armadas. Parcela significativa da população – e até mesmo dos
formadores de opinião – desconhece tanto o funcionamento dos
regimes de Previdência quanto os principais aspectos discutidos na
reforma ora em gestação.
Acende-se
o alerta de que é impositiva uma acurada atenção da parte dos
mentores das mudanças para evitar que, na ânsia de proceder à
correção de rumos e à supressão de “privilégios”, cometam
injustiças, por ignorarem as peculiaridades espartanas da profissão
militar, que possam vir a descaracterizar ou até mesmo tornar
inviáveis a Marinha, o Exército e a Aeronáutica.
As
Forças Armadas são instituições permanentes de Estado, que exigem
dos seus quadros requisitos que extrapolam meras relações
trabalhistas entre empregador e empregado e caracterizam a essência
da profissão militar: servir à Nação, sem nenhuma contestação.
Essa relação da sociedade com os seus militares é uma espécie de
“contrato social”, no qual fica acordado que as restrições de
direitos – às quais aderem os militares – são recompensadas com
a devida proteção social que lhes confere a Nação.
Importante
destacar que, nas discussões que tomam conta do País, os militares
não se utilizam das peculiaridades da carreira para “ameaçar” a
sociedade e assim obter tratamento temperado por “regalias”.
Nas
distantes fronteiras do País, encontramos os militares. Na
pacificação das comunidades no Rio de Janeiro, ali estão os
militares.
Na
guarda das urnas eleitorais, eis os militares. Nas ações
governamentais de defesa civil, nunca nos faltam os militares. Na
distribuição de água, no Semiárido nordestino, e no combate ao
mosquito Aedes aegypti nos deparamos com os militares. Na
segurança dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, ali estavam
os militares. No apoio à população do Haiti, lá nos representam
nossos militares.
Sentimos
muito orgulho de atuar sob quaisquer circunstâncias. É missão,
estamos prontos! Tem sido cada vez mais frequente o clamor da
sociedade por seus militares, por sua capacidade de pronta resposta,
pela disciplina e pelo espírito de cumprimento do dever.
A
dedicação integral e exclusiva ao serviço impede-nos de exercer
qualquer outra atividade profissional. Se comparados com outras
carreiras típicas do Estado brasileiro, é fácil notar que
dependemos, há tempo, de soldos incompatíveis com o que o dever nos
exige em termos de dedicação e de responsabilidade.
Pouco
conhecido do público é o fato de que, ao final da carreira de 30
anos, quando transferido para a inatividade, as horas trabalhadas
pelo militar equivalem a 45 anos, se comparadas às de um trabalhador
civil. Isso se deve à realização de atividades de adestramento e
operações continuadas, além dos serviços de escala de 24 horas,
seguidas de expediente no dia posterior, inclusive em fins de semana
e feriados, tudo isso sem os conhecidos direitos sociais e
trabalhistas legalmente concedidos aos trabalhadores das outras
classes, tais como o adicional de periculosidade, o FGTS e as horas
extras.
Ressalta-se
que o militar não pleiteia esses direitos, pois são incompatíveis
com as exigências legais da “carreira das Armas”. O mais
importante é cumprir o juramento do soldado perante a Bandeira
Nacional: “Dedicar-se integralmente ao serviço da Pátria e
defendê-la com o sacrifício da própria vida” – por esse
compromisso não há preço a pagar.
No
entanto, é mister perguntar: a sociedade aceitaria que um militar
não se apresentasse para uma missão sob a alegação de que “está
na folga”, após o serviço? A sociedade estaria disposta a “pagar
horas extras” pelo emprego continuado, nas missões de garantia da
lei e da ordem? Logo, é impróprio entender como “privilégio” o
que, na verdade, é um cerceamento de direitos e uma imposição de
deveres.
Os
militares já contribuíram, pesadamente, para o esforço de redução
de custos do Estado. Em 2001 foi realizada ampla “reforma” no
sistema de proteção social dos militares das Forças Armadas.
Naquela ocasião, vários direitos foram suprimidos, tais como o
adicional de tempo de serviço, as licenças especiais e a pensão
para as filhas.
Essa
discussão deve ser mais aprofundada e não se restringir a uma
questão numérica de simples redução de custos. Ela deve incluir,
como questionamento, o que a sociedade deseja de seus cidadãos
fardados: profissionais militares, com prontidão, motivação e
dedicação exclusiva, ou milícias, cuja disponibilidade permanente
à Nação ficaria limitada por direitos individuais regidos por
legislação trabalhista ou conchavos espúrios?
Os
argumentos apresentados ao longo deste artigo podem parecer ideias
exclusivas do estamento militar. Não é verdade! Em recente trabalho
realizado pela Fundação Getúlio Vargas – e não se pode duvidar
do reconhecimento acadêmico e da isenção dessa instituição –
ficam claras as especificidades da nossa carreira e as razões para
que não se mesclem argumentos de ordem econômica com a defesa da
sociedade brasileira, à qual servimos.
Neste
momento crucial, em que a Nação busca mares calmos e bons ventos
que a levem a porto seguro, faz-se necessário que o Estado e a
sociedade procedam à urgente e inadiável equalização das contas
públicas e, simultaneamente, ponderem acerca de não desfigurar a
essência das nossas Forças Armadas e de não ferir de morte a alma
de seus militares, o que – livre-nos Deus – seria inaceitável.
*
COMANDANTE DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Fonte:
http://www.sociedademilitar.com.br/wp/2017/02/comandante-do-exercito-pergunta-se-a-sociedade-estaria-disposta-a-pagar-as-horas-extras.html
1 Comentários
Ou seja, não mexendo na previdência deles, o resto que se foda !
ResponderExcluirVcs precisam ser tutelados, e os contribuintes que os pagam seus salários não ???
Ora ora,,,, as instituições não estão funcionando perfeitamente ?
Então senhores militares, confiem nelas, pq o povo, ha muito já desacreditou.
Obrigado pela sugestão.