Por
Luís
Cláudio Cicci - Especial para o Correio Braziliense
Há
algo muito errado quando atravessar a rua significa colocar tudo em
risco. Nesta semana, dois jovens descobriram, da pior forma, que os
investimentos em segurança no trânsito não são suficientes para
poupar vidas. Na DF-075, a Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB),
e na BR-080, pista que passa por Brazlândia e vai além da divisa do
Distrito Federal com Goiás, as mortes de Joel Vitor Sena do
Nascimento, 18 anos, e de Adriele Mendonça Resende Menezes de Jesus
revelaram a vulnerabilidade de motoristas e pedestres nas vias que
cortam a capital do país.
Basta
visitar os locais das duas tragédias no trânsito para entender o
porquê do perigo. Pouco antes das 13h de um dia de semana, à beira
da EPNB, entre o Riacho Fundo e a Área de Desenvolvimento Econômico
(ADE) de Águas Claras, chegar a um ponto de ônibus se apresentava
como desafio para Douglas Beserra Peixoto, 28, e a filha, Aninha, 3,
no colo do pai. Depois de muita espera e duas corridas, com direito a
uma parada no canteiro central da rodovia, ambos chegaram salvos ao
destino. Do começo ao fim da aventura, o ajudante de cozinha em um
restaurante do Setor Hoteleiro Norte perde mais de 10 minutos. “É
assim todo dia, pela manhã, nesse horário, e no começo da noite”,
relata.
Sob
a sombra da parada de ônibus e ainda ofegante, Douglas ergueu o
braço para comemorar a missão cumprida. Mas, na pressa de driblar
os carros, em meio à preocupação com a integridade da filha e
dele, não notou que pisou em sangue. As manchas sobre a faixa de
rodagem mais à esquerda da rodovia estavam lá há poucos dias,
quando Joel Vitor morreu atropelado.
Nos
12km da EPNB, que cruza parte da região com maior densidade
demográfica do DF, o sul, os moradores do Riacho Fundo, da ADE de
Águas Claras e dos arredores dispõem de uma passarela. Caso tivesse
caminhado seis minutos na noite da última terça-feira, Joel estaria
vivo. Esse foi o tempo do qual o jovem preferiu não dispor quando
decidiu driblar veículos para fazer a travessia que permitiria a
volta para casa. “O cotidiano é corrido, ninguém quer perder
tempo”, comenta o trabalhador autônomo Matheus de Sousa, 18, do
alto da estrutura de metal, de onde se avista o local do acidente
fatal.
Matheus
estudou com Joel na 5ª série do ensino fundamental e soube do
atropelamento pelas redes sociais. “Ele (Joel) era um cara legal”,
conta o morador do Riacho Fundo. A lembrança do colega serve de
incentivo para optar pela proteção da passarela. “Prefiro vir por
aqui, porque é mais seguro. Lá embaixo, a chance de atravessar sem
ter problema é mínima. É um carro atrás do outro”, afirma. O
jovem desceu os quatro lances de escada e chegou ao ponto de ônibus
onde, depois de cinco minutos, conseguiu o transporte para alcançar
o curso de inglês, em Taguatinga.
Adriele
de Jesus é outra vítima recente de atropelamento na capital
federal. Com idade aproximada de 20 anos, a andarilha morreu ao ser
atingida por um furgão amarelo no Km 22 da BR-080. O acidente
aconteceu às 19h20 de quarta-feira — desde 2015, a estrada
registrou 18 ocorrências fatais (veja Risco) —, quando a jovem não
conseguiu cumprir a travessia de aproximadamente 8m.
Licitação
A
vulnerabilidade no trânsito do Distrito Federal se explica, em
parte, pela irresponsabilidade de motoristas e pedestres. Mas também
pela deficiência de equipamentos de segurança. “Reconheço a
demanda por passarelas em razão dos aglomerados urbanos”, diz o
diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem no Distrito
Federal (DER-DF), Henrique Luduvice. “Nesse momento, não há
recursos previstos para a execução de passarelas na EPNB”, admite
ele, que estima em R$ 3 milhões o custo de uma obra como essa.
Por
ora, a solução é recorrer ao orçamento federal, com perspectiva
de resultado só para 2018. “O DER pretende buscar essa capacidade
de investimento por meio de emendas parlamentares”, adianta
Luduvice. “Estamos atendendo a uma série de situações
emergenciais e precisamos atuar nas rodovias para os pedestres
poderem dispor de mais segurança.” Segundo o diretor-geral, o
departamento trabalha na identificação de pontos críticos de
segurança para orientar as intervenções nos sistemas viários do
DF. “Assumo o compromisso de viabilizar um processo licitatório
ainda este ano para a construção de passarela na EPNB”, conclui.
O
professor do Departamento de Psicologia Social da Universidade de
Brasília (UnB) Hartmut Gunther lamenta a presença de só uma
passarela para pedestres em uma pista com a EPNB. “É óbvio que
não é suficiente. Falta vontade do poder público para fazer aquilo
que é necessário e dar mais segurança ao cidadão no trânsito”,
queixa-se. Gunther critica a omissão na adoção de dispositivos
como quebra-molas, semáforos, de sinalização e de fiscalização
eletrônica e presencial. Mas também cobra comportamento do cidadão.
“Os carros, aqui, são comparáveis aos de 1º Mundo, mas ninguém
quer se comportar como num país de 1º Mundo. Falta criar ambientes
físicos mais seguros e aplicar a lei, punir”, avalia.
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