Por Metrópoles
Era uma tarde de segunda-feira tipicamente brasiliense: crianças corriam debaixo dos pilotis e levantavam o barro que já havia tomado a grama seca da Quadra 110 da Asa Norte. O silêncio da vida pacata do Plano Piloto foi interrompido por volta das 16h30 do dia 14 de maio de 2018, quando vidraças do Bloco M explodiram.
Era uma tarde de segunda-feira tipicamente brasiliense: crianças corriam debaixo dos pilotis e levantavam o barro que já havia tomado a grama seca da Quadra 110 da Asa Norte. O silêncio da vida pacata do Plano Piloto foi interrompido por volta das 16h30 do dia 14 de maio de 2018, quando vidraças do Bloco M explodiram.
As janelas não resistiram ao
calor das chamas que tomaram conta da apartamento 603. De acordo
com o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), o
incêndio teve início no quarto principal do imóvel. As labaredas
foram tão devastadoras que não deixaram vestígios ou provas para a
perícia cravar como o fogo começou.
Sabe-se,
entretanto, que, devido à ventilação e à grande quantidade de
materiais inflamáveis no quarto, o cômodo entrou em combustão. A
parede de drywall do
ambiente caiu e o fogo se propagou por todo o térreo, pela varanda,
escada interna até atingir a cobertura do duplex.
“A
perícia realizada concluiu que os danos produzidos teriam sido
significativamente reduzidos com a utilização correta dos sistemas
de proteção contra incêndio existentes na edificação e o pronto
acionamento da corporação”, diz o laudo.
Rapidamente, a fumaça se
espalhou pelos apartamentos vizinhos. A economista Beatriz Fortes, 45
anos, moradora do 602, escutou os pedidos de socorro de uma idosa de
87 anos. “Me deparei com a senhora gritando: ‘Socorro! Me ajuda,
estou sozinha e minha casa está pegando fogo’”, relembra.
Beatriz chegou a pegar o
extintor para tentar apagar as labaredas, mas as chamas já tinham
tomado conta do imóvel. “Chamei pelo cachorro, mas ele não veio”,
conta. Uísque, um shih tzu de 11 anos, morreu intoxicado. “Sofri
muito a perda do meu cachorrinho, que conviveu comigo todo esse
tempo”, disse o dono do apartamento, o coronel da reserva do
Exército Adhemar Sprenger Ribas, 64.
No momento do incêndio, o
cenário era crítico. O cheiro de fuligem dificultava a respiração
das irmãs Maria e Miriam Laila Absy, moradoras do 601. “Ficamos
trancadas em casa e não conseguimos sair. Ardia tudo e estávamos
respirando com ajuda de toalhas molhadas. No entanto, não perdemos a
fé. De alguma forma, ficamos seguras e confiantes de que seríamos
resgatadas”, destacou Miriam.
Elas foram socorridas pelos
bombeiros, com o auxílio de uma escada mecânica. “São anjos que
nos salvaram naquele momento”, disse Miriam. As outras pessoas
saíram do edifício “por meios próprios”, conforme informou o
coronel Marco Negrão de Brito, subcomandante operacional do CBMDF.
O prédio tem 72 apartamentos,
24 por prumada, ou quatro unidades por andar. Apesar de o incêndio
ter se restringido a um único imóvel, o forte calor foi sentido no
edifício inteiro. De acordo com o engenheiro Renato Cortopassi, que
comandou o trabalho de escorar os andares, cabos elétricos,
instalações de esgoto e demais sistemas estruturais foram
consumidos pelo fogo.
A temperatura no apartamento
incendiado ultrapassou os 700ºC. Prejudicou a resistência dos
materiais, como concreto e ferragens, além de acarretar o rompimento
de 18 cabos de aço. A ocorrência mobilizou 41 bombeiros, que
conseguiram conter as chamas por volta das 18h, uma hora e meia
depois do primeiro chamado. A única vítima foi o bichinho de
estimação.
As
chamas no Bloco M da 110 Norte ocorreram exatamente uma semana após
dois imóveis em Águas
Claras pegarem fogo.
Dois meses depois, uma quitinete na 314 Norte também foi tomada por
labaredas. Episódios como esses têm chamado atenção
para um problema que vem se tornando corriqueiro no Distrito Federal.
Somente nos quatro primeiros meses de 2018, com base em levantamento
feito pelo Corpo de Bombeiros, em média, uma edificação, por dia,
foi atingida por fogo no DF.
De acordo com a corporação,
até o fim de abril, foram registrados 122 casos dessa natureza. Os
motivos mais comuns são curtos-circuitos provocados por equipamentos
eletrônicos em tomadas sobrecarregadas vazamentos em botijões de
gás, panelas em cima de fogões ligados e velas acesas.
Conforme explicou o capitão do
Corpo de Bombeiros Ronaldo Reis, como muitas edificações do
Distrito Federal são antigas, é preciso reavaliar a parte elétrica
desses locais. “Até porque, atualmente, a quantidade de
equipamentos eletrônicos é muito maior do que há alguns anos”,
destaca.
Os incêndios também estão
relacionados à negligência e ao descuido dos moradores. “Ao
utilizar o fogão, a pessoa deve ter o foco voltado para aquela
atividade. Muitos esquecem as bocas acesas, o que pode causar tais
acidentes”, alerta o militar. Os celulares também merecem atenção
especial. “Devem ser carregados fora da capa de proteção e não
podem ficar em cima de superfícies que possam superaquecer”,
orienta Ronaldo Reis.
Com o elevado número de
incêndios, aumentou a preocupação de moradores do DF que
buscam opções para se prevenirem de sinistros e, assim, evitar
prejuízos. Prova disso é a expressiva alta na procura por
contratação de seguros residenciais particulares.
Dados do Sindicato das Empresas
de Seguros Privados, de Resseguros e de Capitalização (Sindseg)
mostram que os valores arrecadados com a venda de apólices
patrimoniais no Distrito Federal saltaram de R$ 68,7 milhões para R$
74 milhões, na comparação entre janeiro a março de 2017 e o mesmo
período de 2018. Ou seja, um crescimento de 7,7%.
Mas o número de
residências seguradas no país ainda é muito pequeno. De
acordo com a Federação Nacional de Seguros Gerais (Fenseg), apenas
14,5% contam com essa cobertura.
Não é o caso dos proprietários dos apartamentos do Bloco M da 110 Norte. O seguro condominial não cobrirá os prejuízos dos moradores, apenas os danos estruturais do prédio. Sprenger Ribas, dono da unidade 603, imóvel de onde iniciou o fogo, disse ter perdido tudo o que conquistou durante a vida, com seu trabalho, ao lado da esposa e dos filhos. “A partir de agora, é um novo começo”, ressaltou.
Federico Salazar é gerente da
Caixa Seguradora e explica por que as pessoas não buscam esse tipo
de cobertura. “O brasileiro acredita que o seguro residencial é
mais caro do que o do carro, mas ele é infinitamente menor”,
afirma. Para a definição da apólice, são levadas em conta
questões como o valor do imóvel, a localização e os bens contidos
na moradia. De acordo com Salazar, em geral, um seguro
básico possui coberturas contra incêndio, roubo e danos elétricos.
A média do custo desse serviço é de R$ 250 por ano.
Depois do incêndio registrado
em 7 de maio no Residencial Rivoli, em Águas Claras, os condôminos
do prédio tiveram dificuldades para acionar a empresa de seguro.
Dois meses após a tragédia, o sentimento de medo e insegurança
ainda assombra os moradores.
As labaredas atingiram os
apartamentos 402 e 502. Uma das janelas do 602 teve a parte externa
queimada. Nos dois imóveis mais atingidos, a reforma está chegando
ao fim. No entanto, os vizinhos continuam sem respostas a respeito
das causas dos acidentes e traumatizados devido à proporção das
chamas.
Segundo o síndico do
Residencial Rivoli, Eduardo Henrique, 43, as moradoras do 502
rescindiram o contrato de aluguel, pois não se sentiam mais
confortáveis vivendo no prédio. A professora Adriana Nardelli,
38, proprietária da unidade 503, também se mudou. Está
instalada na casa dos pais com o marido e os filhos, um garoto de 2
anos e uma menina de 15. A docente conseguiu recuperar pouca
coisa de seu imóvel.
O maior trauma, entretanto,
aconteceu depois de Adriana entrar em contato com a seguradora. De
acordo com a proprietária do 503, ao ligar para a empresa, ouviu que
o contrato havia sido encerrado cinco dias antes do incêndio. Por
isso, teve de custear, por conta própria, a limpeza do imóvel.
“Precisamos pagar o pintor, se desfazer dos objetos queimados e
comprar tudo novo”, relata.
Móveis danificados também
foram a gota d’água para dona Maria Antonieta Turini, residente do
Bloco M da SQN 110. Diferentemente do Rivoli, o edifício em
que ela vive não teve reparos. Os moradores, sem
apólice de seguro, sofrem com as consequências da catástrofe.
Proprierária de um apartamento
no prédio há 15 anos, a aeroviária passou 20 dias em um hotel após
o incêndio e ainda desembolsou R$ 8 mil para cobrir o prejuízo.
“Nunca ninguém perguntou para mim: ‘Quanto você gastou?'”,
desabafa. Maria Antonieta expõe a saída de vizinhos de longa data
que não conseguiram permanecer no local. “A casa de uma amiga
minha ficou vazia. Viver dessa maneira é uma tristeza”, diz.
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