Por Carlos Arouck
O presidente Jair Bolsonaro
assinou, em seu 15.º dia de governo, um decreto que flexibiliza a
posse de até quatro armas de fogo por pessoa no país. O texto diz
respeito apenas à posse de armas, ou seja, possibilita que o cidadão
mantenha arma em casa, diferentemente do porte de arma, que dá o
direito de sair da residência e carregá-la na rua.
Com a edição desse ato,
procurou-se, principalmente deixar mais objetiva a análise por parte
da Polícia Federal do requerimento para concessão de autorização
para aquisição de arma de fogo de uso permitido. O grande problema
da lei anterior era a comprovação da efetiva necessidade, o que
beirava a critérios subjetivos na análise da concessão, e que foi
retirada da nova portaria.
Explico melhor, quando o agente
público tem a discricionariedade do poder de decisão, precisa
seguir critérios de deferimento objetivos. A objetividade diminui a
possibilidade de corrupção, de favorecimentos e de influência das
questões ideológicas pessoais também. Considerando-se presente a
efetiva necessidade para aquisição de armas de uso permitido,
simplesmente a posse fica liberada, cumprindo-se as devidas
avaliações físicas e psicológicas.
O decreto tem um forte
simbolismo que garante o direito de propriedade, o direito individual
de cada cidadão poder se defender e defender sua propriedade, por
meio do direito escolha entre comprar armas ou não. O conceito de
segurança pública no Brasil encontra-se deturpado pela simples
razão de o Estado não garantir a segurança do indivíduo.
As forças de segurança não
são onipresentes, elas não podem estar em todos os lugares ao mesmo
tempo. Por exemplo no caso dos bombeiros: por que o Estado obriga
todos os ambientes a ter extintores de incêndio? Porque, em situação
emergencial, qualquer um terá condições de combater o incêndio,
apesar de não ser bombeiro, até a chegada dos mesmos, colocando a
sua própria vida em perigo. O mesmo ocorre com a posse de arma: a
pessoa se defende até a chegada da polícia. Aliás, o direito à
autodefesa é um direito natural inalienável.
Com 64% dos votos, o “NÃO”,
contrário ao Estatuto do Desarmamento, foi o grande vencedor do
referendo realizado em 2005. Apesar disso, as restrições à posse e
ao porte de armas saíram as grandes vencedoras. Cabe lembrar que a
população já rejeitava a proibição de venda de armas muito anos
antes do governo Bolsonaro. Esse primeiro referendo legislativo da
história do Brasil mobilizou o eleitorado e contou com abstenção
considerada baixa. A vitória do “NÃO” apontou um fracasso do
governo Lula, que se identificou com a proibição. O povo brasileiro
compreendeu, já naquela época, que o desarmamento só seria válido
se todo mundo, inclusive os bandidos, se desarmassem, e não apenas
os cidadãos de bem.
O tema sobre a liberação, ou
restrição, do acesso a armas de fogo para a população é um
daqueles em relação aos quais a manipulação das informações
difundidas ocorre de forma escancarada, enganosa e com o intuito de
confundir. A ideia básica é fazer com que se pense que haverá um
banho de sangue, quando os inocentes já morrem todos os dias sem
direito à defesa.
São muitas as manchetes que
visam dissuadir a opinião pública.“Memorando interno da Polícia
federal diz que o aumento no número de armas pode trazer nefastas
consequências”, “Estudos mostram que armas aumentam a violência
contra a mulher”, “O decreto, segundo pesquisas recentes de
institutos como o Datafolha, esbarra em uma suposta mudança de
posicionamento da população, que agora, segundo o instituto estaria
contrária à liberação das armas”, “Nos EUA, a segunda causa
mais comum de morte entre pessoas de 15 a 34 anos é o suicídio. E
entre todas as mortes por armas de fogo no país, 60% delas ocorrem
por suicídio”, “Quase metade dos feminicídios são cometidos
por armas de fogo, revela estudo”, “Morte de criança”,
“Decreto das armas pode aumentar arsenal do crime e por último
“mais armas mais crimes”.
A lacração dos “especialistas”
sobre o tema quer mostrar que o relaxamento da atual legislação
sobre o controle às armas de fogo implicará mais mortes e ainda
mais insegurança.
Na verdade, o decreto vem ao
encontro das demandas de todos que trabalham na área de segurança,
e que buscam o real controle estatal das armas de fogo e munição
existentes. Hoje, é impossível esse controle pelas autoridades
competentes, incapazes de identificar a origem das armas em
circulação no Brasil.
O cenário é assustador: há
milhares de armas na ilegalidade dentro do território nacional e por
sua vez, mais de 62 mil homicídios somente no ano passado, em sua
maioria cometidos por arma de origem duvidosa, sem nenhum controle
por parte da polícia. Quem quer cometer um crime premeditado não
vai usar a sua arma registrada, e sim comprar uma no mercado negro, o
que consegue com muita facilidade. Esse quadro precisa urgentemente
ser revertido. Os cidadãos não aguentam mais serem reféns e viver
com medo.
Temos de discutir também o
porte de arma tão necessário para a defesa do cidadão e que tem o
apoio da maioria da sociedade, desde que cumpridos todos os
requisitos necessários para sua aquisição. Esse próximo passo vai
ainda passar pela análise do Congresso. A posse, o decreto facilitou
e regulamentou, mas o porte somente o Legislativo Federal pode. Após
o decreto sobre a posse, o Congresso deve discutir o porte.
Há muita semelhança com a
carteira de motorista: um cidadão de apenas dezoito anos tem o
direito de tirar sua carteira. As últimas estatísticas mostram que
houve mais de 45 mil mortes por ano no trânsito. Dentro da lógica,
o veículo mal conduzido ou conduzido com intenção de matar pode se
transformar em uma arma mortal.
Porém, o esperado é que o
condutor use seu carro para se locomover com cautela e respeito às
normas. Se todos possuem o direito de ter uma carteira de motorista
após exames, não haveria impedimento para ter um porte de arma nas
mesmas condições.
O que está faltando é
educação, cidadania, conscientização. A situação do jeito que
está no momento não pode continuar. Falta investir nesses aspectos,
mas usá-los para impedir somente o porte de armas é, no mínimo,
uma incoerência.
Além da garantia à liberdade
de decisão e ao direito de defesa, o país precisa avançar mais
quanto à questão armamentista, inclusive na abertura de mercado
para instalação de novas fábricas de armas, escolas e estandes de
tiros, como também na regulamentação de vários produtos agregados
a essa modalidade. Evita-se o crescimento do mercado das armas
ilícitas e o aumento do tráfico ilegal de armas, um crime do qual o
Brasil é protagonista e que alimenta a violência.
A regulamentação do setor será
capaz de gerar empregos e uma concorrência saudável, a partir da
abertura de centenas de postos de trabalho. Evita-se, acima de tudo,
que as armas de fogo circulem no território nacional sem nenhum
controle das autoridades e continuem abastecendo uma guerra que mata
inocentes. Aqueles que perderam seus entes queridos sem poder
defender suas vidas agradecem.
*Carlos Arouck, policial
federal, é formado em Direito e Administração de Empresas,
instrutor de cursos na área de proteção, defesa e vigilância,
consultor de cenários políticos e de segurança pública, membro
ativo de grupos ligados aos movimentos de rua
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