Pode
chamar de “negociação”, de “articulação” ou do que for:
Câmara só aprovando projeto em troca de favores aos deputados foi
que destruiu esse país.
Por
Flavio Morgenstern
Enquanto
a população, que parecia ser a mais atingida pela Reforma da
Previdência (pelo corte de privilégios pensando nas futuras
gerações), já apoiou a Reforma da Previdência, congressistas,
liderados por Rodrigo Maia, não param de falar em uma tal
“articulação” e numa necessidade de “negociar” que é
repetida pela mídia para poder votá-la.
Ou,
traduzindo esses termos que grudam, todos repetem feito
papagaio de pirata por umas semanas sem perceber o significado e
depois esquecem: congressistas querem troca de favores, toma-lá,
dá-cá, se lixar para os anseios do povo e pensar apenas no próprio
umbigo, usar o Parlamento não para parlamentar e
tentar convencer, mas apenas como balcão de negócios, abrir a
porteira da corrupção e do divórcio com os interesses do povo,
trocando-o pelos interesses do parlamentar.
Em
resumo, aquilo que destruiu esse país. Tudo sob palavras bonitinhas
e que soam técnicas, avançadas, chiques, inteligentes e até mesmo
elevadas, como “articulação” ou “negociação”.
Como
assim, “negociação”? O que deputados como Rodrigo Maia falam
abertamente, e agora sob aplausos da mídia (só porque é o
Bolsonaro), é que quer o dele. É que só vai votar um projeto de
suma urgência para o Brasil, como a Reforma da Previdência, em
troca de dinheiro para gastar, e de apoio para projetos que podem não
ser tão importantes.
“Ah,
mas e o hospital na região tal?”, questiona o apressado. Ora, se o
hospital é mesmo importante, por que precisa ser votado em troca de
algo? Tem de ser votado por ser bom, não porque um deputado vai
lucrar com isso. A idéia de parlamentar é
isso: conversar e convencer. Não trocar favores.
Para
não falar daqueles favores tão típicos da política brasileira.
Devemos lembrar que o mensalão começou assim: votos em troca de uma
mesada. É preciso comprar o Congresso inteiro, os “300 picaretas
com anel de doutor”, como admoestava o chefe da quadrilha, hoje
preso? Não: a esquerda vota esquerdamente, a direita, ou o que
existia de anti-esquerda na época, contra. Basta comprar os
deputados do centrão, os fisiológicos que nunca leram um livro de
filosofia política na vida, que não sabem se é para privatizar ou
estatizar, se é para colocar bandido na cadeia ou negociar –
apenas sabem que querem estar no poder. Uma mesada nas mãos destes e
o governo tinha todo o poder nas mãos.
O mensalão até hoje não foi compreendido como o que é: não era apenas corrupção – aliás, corrupção era a menor parte do problema. A grande desgraça que foi o mensalão é que o governo do PT, à época, queria passar projetos que não convenceriam sozinhos. E com o Legislativo simplesmente obedecendo o Executivo, tínhamos praticamente a definição de ditadura na modernidade. Não fosse uma mesada atrasar para Roberto Jefferson e hoje viveríamos numa Venezuela – com um Parlamento que apenas faz papel teatral de obedecer às ordens de um líder no Executivo.
E
quem se lembra de Severino Cavalcanti? Fruto do centrão (num momento
em que o PT não conseguiu indicar seu candidato), governou a Câmara
por meses sem que o país se sentisse representado – pelo
contrário, se sentia ameaçado. Renunciou ao mandato sob nova
denúncia de um mensalinho – no Brasil, uma renúncia te deixa com
a ficha limpa.
O
próprio Rodrigo Maia é fruto da continuidade da política
brasileira: filho do controverso Cesar Maia, envolto em acusações
de improbidade administrativa, é também genro de Moreira Franco,
preso com Temer (ou, no dizer de Maia, “Moreira Franco não é meu
sogro, é casado com a minha sogra”). Um histórico um tanto quanto
“inegociável”.
O
que Rodrigo Maia quer pode não ser um mensalão nem corrupção, mas
é a típica e imoral troca de favores: atrapalhar um pouco o governo
em troca de aceitar algo. Não se conversa – não se parlamenta –
no Parlamento brasileiro, e sim se troca favores. Isso não é cuidar
dos interesses do povo, e sim dos parlamentares.
Os leitores
da nossa revista sabem
que o estilo de governo de Bolsonaro, que surpreende a todos os que
não aprenderam nada com o mundo nos últimos 5 anos, não é o
tradicional – aliás, todos já deveriam saber, depois de tudo o
que aconteceu no planeta nos últimos 2 anos. Não há negociação
de cargos, não há nem sequer uma tentativa de manter a imagem de
gestor ou de bom moço: o que um deputado mais teme, depois de ser
preso, é não ser reeleito.
Enquanto
a velha política, consubstanciada em Rodrigo Maia, está
pronta para tentar lucrar às custas do país, Bolsonaro, mesmo indo
duas vezes ao Congresso em tão pouco tempo (fato inédito na
República), prefere muito mais obter apoio popular direto via
Twitter para a reforma, apostando que os deputados que tentarem
travar o país podem ter sua imagem destruída perante seus
eleitores. Um senador tucano disse que Bolsonaro trata o Congresso
como um quartel. É exatamente o pensamento.
A
estratégia do centrão é sempre esgarçar o governo até o limite.
Querem passar de deputados a ministros, controlar orçamentos, ter
apoio para projetos de somenos relevância que favoreçam mais o
deputado do que o povo. Com palanque e dinheiro, se reelegem
facilmente. Ou assim funcionava na Nova República, hoje em sério
risco.
Rodrigo
Maia nem se vexou a falar mal inclusive do mais popular ministro do
governo, Sérgio Moro, chamando-o de “mero funcionário de
Bolsonaro”. Sobre o modelo de Bolsonaro governar diretamente com o
povo, Maia retrucou: “a Câmara não é cartório para registrar
queixas do povo” (?!). E adicionou: “a Câmara e seus deputados
são soberanos…”, ao que foi contestado por um internauta:
“soberano” não se elege, já nasce soberano.
Como
dizer que é o o presidente quem atrapalha a Reforma depois disso?
Essa
“negociação” toda vai render algo de bom a Bolsonaro? Ao
Brasil? Pode até passar a Reforma da Previdência – mas a qual
custo?
Porque
sempre há um momento em que a conta vem, e ao invés de sorrisos e
afagos, além de palavras bonitas como “articulação política”
ou “negociação”, vem apenas a rígida mão da fatura.
Fonte: Senso Incomum
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