Nossas
reservas do minério valem mais que o pré-sal. Mas isso não é tão
simples quanto parece. Entenda.
Por
Tiago Cordeiros e Bruno Garattoni
Parece mágica. Você joga um punhadinho de nióbio, apenas 100 gramas, no meio de uma tonelada de aço – e a liga se torna muito mais forte e maleável. Carros, pontes, turbinas de avião, aparelhos de ressonância magnética, mísseis, marcapassos, usinas nucleares, sensores de sondas espaciais… praticamente tudo o que é eletrônico, ou leva aço, fica melhor com um pouco de nióbio. Os foguetes da empresa americana SpaceX, os mais avançados do mundo, levam nióbio. O LHC, maior acelerador de partículas do planeta, e o D-Wave, primeiro computador quântico, também. Todo mundo quer nióbio – e quase todas as reservas mundiais desse metal, 98,2%, estão no Brasil. Nós temos o equivalente a 842 milhões de toneladas de nióbio, que valem inacreditáveis US$ 22 trilhões: o dobro do PIB da China, ou duas vezes todo o petróleo do pré-sal. Por isso, há quem diga que o nióbio pode ser a salvação do Brasil, a chave para o País se desenvolver e virar uma potência global. Mas de que forma o nióbio é explorado hoje em dia, e quem ganha com ele?
Parece mágica. Você joga um punhadinho de nióbio, apenas 100 gramas, no meio de uma tonelada de aço – e a liga se torna muito mais forte e maleável. Carros, pontes, turbinas de avião, aparelhos de ressonância magnética, mísseis, marcapassos, usinas nucleares, sensores de sondas espaciais… praticamente tudo o que é eletrônico, ou leva aço, fica melhor com um pouco de nióbio. Os foguetes da empresa americana SpaceX, os mais avançados do mundo, levam nióbio. O LHC, maior acelerador de partículas do planeta, e o D-Wave, primeiro computador quântico, também. Todo mundo quer nióbio – e quase todas as reservas mundiais desse metal, 98,2%, estão no Brasil. Nós temos o equivalente a 842 milhões de toneladas de nióbio, que valem inacreditáveis US$ 22 trilhões: o dobro do PIB da China, ou duas vezes todo o petróleo do pré-sal. Por isso, há quem diga que o nióbio pode ser a salvação do Brasil, a chave para o País se desenvolver e virar uma potência global. Mas de que forma o nióbio é explorado hoje em dia, e quem ganha com ele?
Como
em 1965 o metal ainda não tinha utilidade comprovada, o governo
militar deixou passar batido – e permitiu que a CBMM, junto com os
americanos, explorasse o nióbio à vontade. Aos poucos, Salles foi
comprando a parte dos americanos, o que os militares viram com bons
olhos. Na década seguinte, a CBMM virou controladora mundial de um
mercado que nem sequer existia. Não existia, mas passou a existir:
nos anos 1970, a empresa descobriu dezenas de utilidades para o
nióbio – que hoje é um dos principais negócios da família
Moreira Salles (também dona do banco Itaú).
A
CBMM não vende o minério bruto, e sim uma liga chamada ferronióbio,
que contém 2/3 de nióbio e 1/3 de ferro. Além desse produto,
seu carro-chefe, ela também comercializa dez outras formulações à
base de nióbio. A empresa tem 1.800 funcionários e lucra R$ 1,7
bilhão por ano. Em 2011, vendeu 30% de suas ações para um grupo de
empresas asiáticas, mas com restrições: os brasileiros mantiveram
o controle da empresa, e não cederam nenhuma informação técnica
sobre o processamento do nióbio – um segredo industrial que tem 15
etapas e foi inventado pela empresa dos Moreira Salles. “Ele
envolve mineração, homogeneização, concentração, remoção de
enxofre, remoção de fósforo e chumbo, metalurgia, britagem e
embalagem”, explica Eduardo Ribeiro, presidente da CBMM. “Para
produzir o nióbio metálico, por exemplo, é necessário realizar
uma última etapa em um forno de fusão por feixe de elétrons, que
atinge temperaturas superiores a 2.500 oC”, diz.
Além
da CBMM, há outra empresa explorando nióbio no País: a Anglo
American Brazil, que opera em Catalão, Goiás. Também há nióbio
na Amazônia, mas ele ainda não começou a ser minerado. Só o que
temos em Minas Gerais e Goiás já é suficiente para abastecer toda
a demanda mundial pelos próximos 200 anos. Os maiores compradores
são China, EUA e Japão, que pagam em média US$ 26 mil pela
tonelada de nióbio (esse valor é uma estimativa, pois o metal não
é vendido em bolsas de commodities; o preço é negociado caso a
caso, direto com cada comprador). Há quem diga que esse valor é
muito baixo – o ouro, por exemplo, é comercializado a US$ 40 mil o
quilo. Se o nióbio é tão útil, e o Brasil controla quase todas as
reservas, não poderia cobrar mais caro? O governo brasileiro não
deveria exigir royalties sobre a venda? E por que apenas 10%
das tubulações de aço do planeta usam nosso produto? Há respostas
para tudo isso.
Nada
é perfeito
A
primeira delas: o nióbio é substituível. Vanádio e titânio
cumprem basicamente a mesma função. O vanádio é encontrado na
África do Sul, na Rússia e na China. O titânio está presente na
África do Sul, na Índia, no Canadá, na Nova Zelândia, na
Austrália, na Ucrânia, no Japão e na China. Esses países preferem
explorar suas próprias reservas a depender de um mineral que é
praticamente exclusivo de uma nação só – o Brasil. Em alguns
casos, também é possível trocar o nióbio por tungstênio, tântalo
ou molibdênio. “Não há mercado para mais nióbio”, afirma o
economista Rui Fernandes Pereira Júnior, especialista em recursos
minerais.
Outra
questão é que é preciso pouco nióbio para que ele faça sua
mágica. “As reservas brasileiras são suficientes para abastecer o
mundo por séculos. Mas aquelas existentes em outras regiões do
planeta, como o Canadá [que, como a Austrália, também possui
nióbio], também são”, diz Roberto Galery, professor do
departamento de Engenharia de Minas da UFMG. Quer dizer: não adianta
aumentar muito o preço do nióbio, pois os compradores tenderão a
optar por outros metais, nem tentar acelerar demais a exportação
(pois aí haverá excesso de oferta de nióbio, fazendo o valor desse
metal despencar).
Há
outra questão: o Brasil só exporta o nióbio em si. Não fabrica
produtos derivados dele. “Ninguém está disposto a pagar uma
fortuna pelo nióbio, porque nós não conseguimos dar valor agregado
a ele”, diz o professor Leandro Tessler, do Instituto de Física da
Unicamp. “Nós repetimos nosso velho ciclo: vendemos matéria-prima
e compramos produtos prontos. Vendemos nióbio e compramos fios de
tomógrafos, por exemplo.” É um caso parecido com o do silício.
Nós temos as maiores reservas de areia do planeta (e é da areia que
o silício é extraído), mas só exportamos silício com 99,5% de
pureza, menos que os 99,99999% exigidos pela indústria eletrônica.
E
os royalties? O Brasil cobra pouco, mas cobra. O Estado fica com 2%
do valor das exportações de nióbio – bem menos do que a
Austrália, que exige 10%. Nós poderíamos impor royalties mais
altos (com o petróleo, por exemplo, eles ficam entre 5% e 10%). Mas
não há sinais de que isso vá ser feito. O Marco Regulatório da
Mineração, que está tramitando no Congresso desde junho, não traz
nenhuma regra específica para o nióbio.
Depois
de crescer 10% ao ano na década passada, o mercado mundial de nióbio
está estável. A demanda é de 100 mil toneladas anuais, 90%
fornecidas pelo Brasil. De todos os 55 minérios que o Brasil
exporta, o nióbio é o único em que somos líderes globais. Ele é
o nosso terceiro metal mais exportado em valor financeiro (atrás do
minério de ferro e do ouro, e empatado com o cobre na terceira
posição).
“O
surgimento de novas tecnologias pode levar ao aumento do mercado de
nióbio”, diz Marcelo Ribeiro Tunes, diretor do Instituto
Brasileiro de Mineração (IBRAM). Afinal, o consumo mundial cresceu
cem vezes desde a década de 1960, e é provável que a tecnologia
continue a dar saltos (e encontrar novos usos para o nióbio) no
futuro. Mas, se quisermos explorar todo o valor dessa riqueza
natural, precisamos aprender o que fazer com ela – e começar a
fabricar produtos mais sofisticados. “O Brasil deveria desenvolver
a tecnologia desse material na medicina, nos transportes, na
engenharia”, afirma Rui Fernandes Pereira Júnior. Do contrário,
vamos continuar à mercê dos compradores estrangeiros. Como sempre
estivemos desde que, no comecinho do século 16, navegadores
portugueses descobriram a primeira de nossas commodities: uma madeira
chamada pau-brasil.
Fonte: Super Interessante
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