José Antônio Severo
Inimigo externo é o refúgio de ditadores encurralados. A Venezuela pegou um bode expiatório para cada fronteira: acusa o governo do Brasil de abrigar os assaltantes a um quartel na fronteira, e à Colômbia de estar por traz da conspiração. É a primeira fagulha. Havendo escalada, pode chegar às vias de fato. Nada de guerra, mas incidentes e arranca-rabos suficientes para manter o público interno em tensão. É o modelo.
Inimigo externo é o refúgio de ditadores encurralados. A Venezuela pegou um bode expiatório para cada fronteira: acusa o governo do Brasil de abrigar os assaltantes a um quartel na fronteira, e à Colômbia de estar por traz da conspiração. É a primeira fagulha. Havendo escalada, pode chegar às vias de fato. Nada de guerra, mas incidentes e arranca-rabos suficientes para manter o público interno em tensão. É o modelo.
A
fórmula é simples: os povos brasileiro e colombiano são amigos da
Venezuela, mas seus dirigentes perversos. Neste caso, os direitistas
Jair Bolsonaro e Ivan Duque Márquez estariam a serviço de
ideologias inconfessáveis para submeter o bom governo de Caracas. Só
falta dizer que são agentes do imperialismo norte-americano (de
fato, maduro insinuou que Duque estaria preparando terreno para um
desembarque ianque na América do Sul). É sempre assim.
A
fagulha que espocou na localidade de Luepa, na fronteira, próxima a
Pacaraima, tem potencial para crescer. Na reclamação feita por um
ministro do governo, Jorge Rodríguez, há uma acusação clara de
acobertamento do grupo que atacou o quartel do Batalhão de Selva
Marino Montilha, no Sistema Territorial de Defesa, ou seja, não do
Exército da Venezuela, mas uma espécie de força de segunda linha,
como as antigas forças púbicas dos estados brasileiros no passado.
É grave por ser oficial.
É
precipitado esperar uma crise real. Por maior que seja a gritaria,
não deve passar dos microfones, sem chegar às armas. Entretanto,
essas situações sempre podem sair de controle. A História está
cheia de exemplos das forças da insensatez. É prudente o Itamarati
botar as barbas de molho.
Paz nas fronteiras
Paz nas fronteiras
Um
frente-a-frente com a Venezuela seria algo totalmente descabido para
o Brasil. As demarcações de fronteiras entre os dois países
realizaram-se para lá de pacificamente, ao contrário dos demais
limites com nossos vizinhos, que se fixaram em disputas, confrontos,
ameaças e guerra aberta.
É
verdade que o Brasil surrupiou dos hispânicos mais de seis milhões
de quilômetros quadrados (5/3 dos atuais 8.500 mil km quadrados)
algo maior do que a Europa Ocidental dos tempos da Guerra Fria. Foi
tudo conquistado a solado de botas e chumbo de bacamarte pelos
bandeirantes paulistas. As bases desses limites foram acertadas ainda
nos tempos coloniais, entre Portugal e Espanha, na série de
tradados, cujo centro é o Tratado de Madri, de 1750. Mas ficaram
pontas e pendências ao longo dos 15.735 km de serras e rios. Já
independente, o Brasil teve de negociar recompor aqui e ali. Correu
sangue e, com exclusão da Guiana Holandesa e da Venezuela, houve
guerra aberta e cruenta com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia e
França (no Amapá). Com o Inglaterra (Guiana), Peru e Colômbia
tivemos movimentações de tropas, ocupações militares de
territórios contestados e confrontos à beira do conflito aberto.
Não foi fácil, até o Barão do Rio Branco, no início do Século
XX, concluir tratados perfeitos juridicamente que hoje são
incontestáveis sem nenhuma pendência de um metro que seja da
soberania brasileira.
Ao
contrário dos demais vizinhos, as relações com a Venezuela se
iniciaram e se mantiveram sem rusgas. Um primeiro protocolo em 1852
traçou as bases, e em 5 de maio de 1859 o plenipotenciário
brasileiro Felipe Pereira Leal e sua contraparte venezuelana, Luiz
Sarroyo, firmaram o Tratado de Limites e Navegação que, além de
fronteiras, trazia juras de amor eterno. Está em vigor e diz:
“Haverá paz perfeita, firme e sincera entre Sua Majestade o
Imperador do Brasil e seus sucessores e seus súditos e a República
da Venezuela e seus cidadãos em todas suas possessões e territórios
respectivos”. Para não ficar dúvida, em 1929 o documento foi
ratificado no Rio e Caracas. Dito e feito.
Bolsonaro o adversário
Bolsonaro o adversário
O
presidente venezuelano, Nicolás Maduro, escolheu o brasileiro Jair
Bolsonaro como seu antagonista. Tem o perfil: é de ultradireita,
execrado pela mídia internacional, e, principalmente, está pegando
no seu pé. Só isto pode explicar alguma escalada retórica. O fato
em si da reclamação é muito frágil. O governo da Venezuela
denuncia que o mandante do assalto ao quartel está homiziado no
Brasil.
O
mandante seria um venezuelano traficante de ouro (não de drogas nem
de armas), Andrés Antonio Fernández Soto, o Toñito. Não seria de
admirar se ele tivesse negócios escusos com policiais ou
funcionários brasileiros, como é bastante comum entre agentes da
lei e contrabandistas de luxo, como esse, de metal precioso. Nessas
fronteiras são figuras de destaque. Uma elevação do tom é
improvável, mas ações concretas de hostilidade armada seria
imediatamente contida pelos organismos internacionais, como Nações
Unidas e OEA. O maior perigo seria nas fronteiras colombiana e com a
Guiana Inglesa, onde há contenciosos políticos e territoriais muito
fortes. Por isto mesmo, maduro atacar o Brasil será o menos perigoso
para introduzir o inimigo externo para desviar atenção dos
problemas da crise interna. Afinal, nem um dos dois, Nicolás e Jair
têm papas na língua.
Fonte: Blog Edgar Lisboa
Leia também: BOLSONARO IMPÕE REGRAS PARA ELEIÇÕES DE REITORES DE UNIVERSIDADES FEDERAIS
Fonte: Blog Edgar Lisboa
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