Está
em curso a construção de uma narrativa conjunta, da mídia e do
Judiciário, para derrubar Bolsonaro e instituir a censura à
internet no Brasil
Por
Taiguara Fernandes
O
que escrevo a seguir, talvez, seja o meu texto mais importante até
hoje.
E
falo com a responsabilidade quem é, ao mesmo tempo, advogado e
jornalista – com registro profissional em ambos os casos, se isso
importar a algum dos leitores.
Pretendo
demonstrar como está em curso, no Brasil, uma tentativa de condenar
o Presidente Jair Bolsonaro por um crime inventado,
para retirá-lo à força do Palácio do Planalto, no qual foi
colocado pela vontade soberana do povo brasileiro.
Agem
para esse fim os inimigos de sempre: o establishment burocrático com
o auxílio constante da mídia propagadora de fake
news.
O
que vou revelar a seguir é apenas a estratégia legal e processual
para onde as coisas estão pretendendo caminhar, a meu ver. Qualquer
advogado com um mínimo de experiência em questões políticas já
percebeu aquilo que, na selva infindável de leis, regimentos e
decisões judiciais, fica oculto para a população comum,
normalmente acostumada apenas a reagir ao noticiário diário.
Pois
bem, iniciemos.
Existem
duas formas de promover a condenação de um Presidente da República.
A mais corriqueira no imaginário dos brasileiros é a condenação
política, promovida pelo Senado Federal, por crime de
responsabilidade – essa foi a condenação a que Fernando Collor e
Dilma Rousseff foram submetidos.
Crimes
de responsabilidade são assim chamados porque só podem ser
cometidos pelo detentor do poder justamente enquanto detentor
do poder – isto é, responsável pelo
exercício daquele poder.
Assim,
o Presidente da República está sujeito a determinados crimes de
responsabilidade, que só poderiam ser cometidos,
precisamente, porque
ele tem as responsabilidades de
um Presidente.
Esses
crimes estão definidos no art. 85 da Constituição e são os
seguintes:
Art.
85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da
República que atentem contra a Constituição Federal e,
especialmente, contra:
I
– a existência da União;
II
– o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do
Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da
Federação;
III
– o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV
– a segurança interna do País;
V
– a probidade na administração;
VI
– a lei orçamentária;
VII
– o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo
único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que
estabelecerá as normas de processo e julgamento.
Os
crimes de responsabilidade são julgados no Senado Federal, após
abertura do processo pela Câmara dos Deputados. Passamos por isso em
2016 e todos já sabem como funciona.
Mas
essa não
é a
única maneira de condenar o Presidente da República: ele também
pode ser acusado de cometer crimes
comuns,
isto é, crimes que qualquer pessoa poderia cometer, não apenas um
Presidente.
Nesse
caso, contudo, como ele está exercendo o cargo de Presidente, ele
pode ser investigado e processado, mas
o processo ocorre no Supremo Tribunal Federal (não
no Senado), após abertura pela Câmara dos Deputados.
Nos
dois casos, portanto, a Câmara é quem abre: se for por crime de
responsabilidade, para o Senado; se for por crime comum, para o STF.
Isso
está no art. 86 da Constituição:
Art.
86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois
terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a
julgamento perante
o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante
o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
No
caso, porém, de crimes comuns, há uma distinção a ser feita. Se o
crime comum foi cometido antes de
ser eleito Presidente, fica
suspenso qualquer processo ou condenação no
STF, enquanto estiver no cargo.
Todos
sabemos disso porque foi exatamente o que aconteceu com Michel Temer,
isto é, era acusado por crimes cometidos antes de assumir a
Presidência da República; o processo ficou suspenso, tendo sido
admitida no STF apenas sua investigação. Depois que Temer saiu da
Presidência, então, o processo voltou a correr, provocando a prisão
momentânea do ex-Presidente, como é fato público.
Contudo, se –
atenção aqui – o crime comum é cometido durante e por
causa do
exercício do mandato,
então o Presidente pode ter a denúncia contra si recebida pelo
Supremo e
é afastado do cargo até
o fim do processo. O vice-presidente, então, é chamado a ser
Presidente interino, exatamente como aconteceu com Dilma Rousseff e
Michel Temer (só que em crime de responsabilidade e através do
Senado).
Isso
está descrito num parágrafo aparentemente escondido do art. 86 da
Constituição, mas
é o detalhe mais importante de tudo que vou falar a seguir:
-
4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
Portanto,
interpretado o parágrafo ao contrário, o Presidente pode ser
responsabilizado, no exercício de seu mandato, por infrações
cometidas no
exercício de sua função.
Essa
é a exatamente a interpretação do Supremo Tribunal Federal, desde
o primeiro caso julgado sobre o tema, em 1992, referente ao
ex-Presidente Fernando Collor de Mello, no qual o (hoje, decano)
Ministro Celso de Mello explicou que o art. 86, §4º permite a
persecução penal do Presidente desde que o crime seja in
officio (expressão
que indica o crime ligado ao próprio desempenho do mandato
presidencial, isto é, o crime de responsabilidade) ou propter
officio (expressão
que indica o crime cometido durante
e por causa do
mandato, que pode ser qualquer crime); esse artigo veda
temporariamente apenas o processo por crimes anteriores ou
desconectados do exercício do mantado. Vou transcrever apenas para
comprovar o que digo:
O
art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem
político-funcional ao presidente da República, excluiu-o, durante a
vigência de seu mandato – e por atos estranhos ao seu exercício
–, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a
qualquer ação persecutória do Estado. A cláusula de exclusão
inscrita nesse preceito da Carta Federal, ao inibir a atividade do
poder público, em sede judicial, alcança
as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da
investidura no cargo de chefe do Poder Executivo da União, bem assim
aquelas praticadas na vigência do mandato, desde que estranhas ao
ofício presidencial.
A norma consubstanciada no art. 86, § 4º, da Constituição,
reclama e impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese
estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas
de ordem extrapenal. O presidente da República não dispõe de
imunidade, quer em face de ações judiciais que visem a definir-lhe
a responsabilidade civil, quer em função de processos instaurados
por suposta prática de infrações político-administrativas, quer,
ainda, em virtude de procedimentos destinados a apurar, para efeitos
estritamente fiscais, a sua responsabilidade tributária. A
Constituição do Brasil não consagrou, na regra positivada em seu
art. 86, § 4º, o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do
presidente da República. O
chefe de Estado, nos ilícitos penais praticados in officio ou
cometidos propter officium, poderá, ainda que vigente o mandato
presidencial, sofrer a persecutio criminis, desde que obtida,
previamente, a necessária autorização da Câmara dos
Deputados. [Inq
672 QO,
rel. min. Celso de Mello, j. 16-9-1992, P, DJ de
16-4-1993.]
Em
resumo:
1) O
Presidente da República pode ser afastado por crime de
responsabilidade (julgado no Senado Federal – ex: Dilma, Collor) ou
por crime comum (julgado no STF);
2) Contudo,
o Presidente não poderá ser processado, durante seu mandato, por
crime cometido antes dele
ou sem
relação com
ele;
3) É
necessário haver uma conexão com
o mandato: seja crime cometido porque
é Presidente
(crime de responsabilidade) ou durante
e por causa do
mandato de Presidente (nesse caso, pode ser qualquer crime).
Estabelecidos
esses pontos, entende-se toda
a estratégia de derrubada que está em curso,
para a qual a mídia criadora e divulgadora de fake
news exerce
um papel essencial: é ela a inventora do que chamamos
de materialidade
fática,
isto é, inventa o fato criminoso, sem o qual não é possível um
processo criminal.
A
mídia fake
news criou
a narrativa, através de diversas notícias nos mais diversos
veículos, de que o Presidente da República foi eleito e se
mantém por
causa de uma “milícia digital”, da qual ele,
seus filhos e seus principais assessores são os mandantes.
A
acusação é de que essa “milícia digital” se coordena em redes
sociais para criticar autoridades públicas e promover o que se
convencionou chamar de “linchamento virtual”. Quem primeiro
lançou essa versão foi o jornalista José Fucs, em 16 de março de
2019, afirmando que o Presidente Bolsonaro teria relação
direta com
a coordenação do que ele chama de “máquina
de difamação bolsonarista e olavista”. Vejam
o que ele diz:
Os
termos aqui são juridicamente relevantes: difamação é
crime comum contra a honra, tipificado no art. 139 do Código Penal.
A
afirmação de Fucs é a seguinte: “o
quadro mudou. Bolsonaro,
seus filhos e alguns assessores palacianos e parlamentares
envolvem-se diretamente nos ataques”.
Que
ataques? “[A]taques
torpes da máquina
de difamação bolsonarista
e olavista”.
Mas
por que o “quadro mudou”?
Atenção
ao detalhe importante: porque “naquela
época,
os ex-presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff e
seus parentes procuravam
não se envolver diretamente”.
Portanto,
Fucs está opondo o envolvimento, supostamente, direto do
Presidente Jair Bolsonaro ao envolvimento apenas indireto de Dilma e
Lula, enquanto Presidentes, em tempos passados.
E
o que ele afirma que o PT possuía “naquela
época”? “[U]ma
máquina implacável de destruição de reputação de
adversários”.
Todos
esses detalhes são muito relevantes, pois a narrativa que brota
dessas afirmações é a de que o
Presidente Jair Bolsonaro está cometendo diretamente crime de
difamação para destruir a reputação de adversários, fazendo
parte do Núcleo Central de uma “máquina de difamação” –
isto é, crime propter
officio,
na definição que vimos mais atrás.
Para
que a matéria criasse o contexto fático necessário à ativação
do art. 86, §4º da Constituição, seria necessário que ela
afirmasse que o Presidente agiu durante
e por causa do
mandato de Presidente, exatamente o que fez ao afirmar que o
propósito é destruir
adversários e
ao se referir constantemente a assessores palacianos.
Ao
definir o objetivo da reportagem, Fucs é expresso ao englobar
supostas ações
atuais,
pois se refere a “tentáculos palacianos” (o que, por óbvio, se
refere ao período em que Bolsonaro está no Palácio do Planalto,
pois é impossível que tal coisa ocorresse antes):
Em
seguida a esse parágrafo, vêm todas as afirmações que já
comentamos acima.
Diversas
matérias se seguiram a essa, afirmando o mesmo e sustentando essa
narrativa, da qual a mais recente é a escrita por Felipe Moura
Brasil, na Revista Crusoé, que serviu de fundamento para um
requerimento de Rui Falcão, deputado dos mais lulistas do PT, para
que o assessor da Presidência, Filipe Martins, fosse convocado a
prestar depoimento na CPMI das Fake News.
Inventada a
materialidade fática pela mídia, imputados supostos crimes
diretamente ao Presidente Jair Bolsonaro, devemos lembrar que o
Presidente pode ser processado no
Senado ou no STF.
Isso
explica porque estão em andamento duas tentativas
processuais de
enquadramento jurídico desses fatos: uma nas Casas Legislativas, a
CPMI das Fake News (instalada pelo Presidente do Senado em
julho),
e outra no STF, o inquérito sigiloso conduzido pelo Ministro
Alexandre de Moraes (instaurado
em 14 de março,
dois dias antes da matéria de Fucs), contra o qual a própria
Procuradoria-Geral da República já se manifestou contra.
Os
dois meios processuais têm o propósito de investigar o mesmo
objeto: supostas fake
news divulgadas
por uma “máquina de difamação”. Mas percebam que cada um deles
tramita em um dos lugares que podem condenar o Presidente: o Senado e
o STF.
Uma
vez que a narrativa fática já foi dada pela mídia, o passo
seguinte é criar a narrativa probatória,
que deverá ser fornecida através material conclusivo da CPMI e do
Inquérito 4.781.
Como
qualquer advogado sabe, fatos
e provas são
dois dos três elementos que compõem a substância de um
processo (de
qualquer processo).
Os
supostos fatos foram fornecidos pela mídia; as supostas provas serão
o material final das duas investigações supostamente isentas. Qual
o terceiro elemento? A
fundamentação jurídica.
Quanto
a essa, após os passos anteriores, é
a mais fácil de escolher:
1) o
Presidente poderá ser enquadrado por vários crimes comuns de
difamação durante
e em razão do
cargo (nesse caso, seria denunciado e processado no STF);
2) ou
o Presidente poderá ser enquadrado por crime de responsabilidade
consistente em atentar contra “o
livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário” (art.
85, II), já que muitas das acusações midiáticas são no sentido
de que as tais “milícias” constrangem parlamentares e membros do
Judiciário, ou por atentar contra “a
probidade na administração” (art.
85, V), já que, para todos os fins, se poderia dizer que o
Presidente está cometendo alguma imoralidade que não condiz com o
decoro necessário ao cargo.
Para
tudo isso, existe o auxílio inestimável da esquerda, que odeia
Bolsonaro e quer vingança pelo impeachment de
Dilma, e a atuação incansável daqueles que, dentro do Congresso,
não aceitam o novo Brasil que surge da eleição de Jair Bolsonaro.
É
isso que está em curso: a derrubada do Presidente Bolsonaro e de
tudo aquilo que ele representa, isto é, a liberdade de expressão do
povo brasileiro (por isso a raiva nutrido quanto ao resultado da
eleição que consagrou Bolsonaro é dirigida, agora, às redes
sociais, pela qual o povo se expressa livremente, como se expressou
pelo voto).
A
convocação de Filipe Martins para a excepcional CPMI das Fake
News com
base em requerimento do Deputado Rui Falcão, do PT (subsidiado por
matéria de Felipe Moura Brasil na Revista Crusoé, veículo que se
rebaixou ao nível inimaginável da fofocaria mesquinha) é só mais
um passo para inventar uma suposta responsabilidade direta do
Presidente da República.
O
Presidente Jair Bolsonaro precisa recordar-se de que ele é amado
pelo povo brasileiro, que votou nele esperando uma atitude firme para
quebrar a hegemonia dos parasitas da República e devolver o poder
soberano ao povo, seu verdadeiro detentor. A sua responsabilidade
para com esse povo é até maior do que aquela do art. 85, em que
seus adversários querem tanto enquadrá-lo.
Esse,
talvez, é o momento mais crítico da história recente.
O establishment realmente
se sente ameaçado e ataca com todas as forças, conforme a
estratégia.
Após
condenado um Presidente da República por isso, as possibilidades são
infinitas: a regulação da internet e das redes sociais, que
poderiam deixar de ser livres; a criminalização da associação
política; a criminalização da crítica a pessoas públicas,
verdadeiro conceito de tirania; a criminalização da expressão de
idéias conservadoras (que já possui precedente na criação, por
via judicial, do crime de homofobia equiparada a racismo, algo
inimaginável — pois é princípio jurídico do Ocidente que crimes
são criados por Lei);
a transformação da difusão de idéias conservadoras em crime de
segurança nacional.
Isso
tudo tem um nome: ditadura.
Seja
lá por qual Poder da República ela seja exercida. Mas não parece
ser Jair Bolsonaro o seu autor.
Fonte: Senso Incomum
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