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Quando a lei muda conforme o réu: o contraste brutal entre a prisão de Lula e a de Bolsonaro

 
As prisões de Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro revelam um contraste que não pode ser ignorado por qualquer observador minimamente comprometido com a legalidade e com os princípios do Estado de Direito. Mais do que episódios individuais, elas simbolizam dois modelos completamente distintos de aplicação da lei no Brasil — um baseado no rito jurídico tradicional e outro marcado pela exceção institucional.
Lula foi preso em 2018 após condenação em primeira e segunda instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro. Houve denúncia, instrução processual, sentença, confirmação por tribunal colegiado e início do cumprimento da pena. Independentemente das críticas posteriores ao processo, à parcialidade do julgador ou às nulidades reconhecidas anos depois, o fato objetivo é que sua prisão ocorreu dentro do modelo clássico do Direito Penal: regras conhecidas, prazos previsíveis, ampla atuação da defesa e garantias formais preservadas. Familiares tinham dias definidos para visitação, advogados atuavam sem restrições extraordinárias e o processo seguia parâmetros já consolidados na jurisprudência.
A prisão de Jair Bolsonaro, por outro lado, inaugura um cenário completamente diferente — e mais grave. Trata-se de uma prisão preventiva, sem condenação, sustentada por acusações de natureza eminentemente política, baseadas em uma única delação que, até hoje, não apresentou provas materiais robustas. O processo é conduzido sob um regime de exceção: decisões monocráticas de altíssimo impacto, prazos comprimidos para análise de milhares de páginas, regras alteradas ao longo do caminho e controle direto do Supremo Tribunal Federal sobre aspectos que tradicionalmente não seriam objeto de ingerência judicial.
O tratamento dispensado à defesa também chama atenção. Enquanto Lula teve tempo e previsibilidade para estruturar recursos, Bolsonaro enfrenta uma rotina de urgências artificiais, despachos sucessivos e obstáculos práticos que dificultam o exercício pleno do contraditório. Até mesmo visitas familiares e médicas passaram a depender de autorização expressa de um único ministro, gerando situações inéditas e constrangedoras, nas quais pedidos protocolados corretamente sequer recebem resposta formal.
O contraste é ainda mais evidente no plano simbólico. A prisão de Lula foi amplamente exposta, transmitida ao vivo e transformada em espetáculo político e midiático. Já no caso de Bolsonaro, observa-se uma tentativa de controle narrativo acompanhada de restrições, silenciamentos e ordens que beiram a humilhação institucional — um paradoxo que reforça a percepção de que o objetivo não é a transparência, mas a submissão.
Estamos, portanto, diante de duas prisões com naturezas distintas:
  • Lula, preso como réu condenado por crimes comuns, dentro do rito tradicional;
  • Bolsonaro, submetido a uma prisão preventiva de exceção, sem condenação, com garantias relativizadas e forte carga política.
A diferença não está apenas no passado judicial de cada um, mas no significado do que está sendo praticado hoje. Uma prisão representou o encerramento de um ciclo processual. A outra simboliza a normalização da exceção, em que a lei se molda ao personagem e não aos princípios.
Esse modelo é perigoso. Quando o Direito deixa de ser previsível, universal e impessoal, ele se transforma em instrumento de poder. A seletividade na aplicação das garantias legais corrói a confiança nas instituições e aprofunda a fratura política e social do país.
O que está em jogo vai além de Lula ou Bolsonaro. Trata-se de decidir se o Brasil continuará sendo uma democracia regida por leis ou se aceitará um sistema em que a justiça opera com pesos e medidas calibrados conforme o alvo. Quando a exceção se torna regra, o Estado de Direito deixa de existir — e o preço dessa ruptura, cedo ou tarde, recai sobre toda a sociedade.

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