O Termino da primeira
metade de 2016 trouxe um dado alarmante para a população e o setor produtivo do
Distrito Federal. O volume de acidentes envolvendo a rede elétrica encerrou o
período em um ritmo mais acelerado do que o observado ano passado. Até a metade
deste ano, foram registrados, pelo Corpo de Bombeiros, 50 acidentes envolvendo
a rede elétrica — nos 12 meses de 2015, houve 67 casos. Com
isso, a média mensal subiu de 5,5 para 8,3 ocorrências.
Essa alta também foi
notada em outros dados, esses coletados pela principal concessionária de
energia do Distrito Federal, a Companhia Energética de Brasília (CEB). A
empresa registrou, ao longo do ano, quatro incidentes, com uma morte, ante
cinco no ano anterior. A discrepância entre os números é resultado de
abrangências distintas na formulação do cálculo. Enquanto os bombeiros
registram todas as ocorrências, os dados da CEB são restritos à rede de
operação, que exclui eventuais acidentes domésticos e industriais, por exemplo.
Esse aumento, por si
só, desperta a atenção dos responsáveis e liga o sinal de alerta entre a
população devido às consequências que eventuais acidentes podem trazer às
vítimas. Ainda assim, oficiais dos bombeiros e executivos da CEB afirmam, em
uníssono, que não se trata de uma crise, mas de um aumento que demanda um
trabalho de conscientização. O diretor de Gestão da CEB, Raphael Ehlers dos
Santos, avalia que esse aumento pode ser um reflexo do excesso de autoconfiança
das pessoas no trato diário com a rede.
“As pessoas, no seu dia
a dia, têm um excesso de confiança, e isso vale tanto para direção do carro,
como para a natação, quanto para a forma como lidam com a rede elétrica”,
afirmou. “Informar sobre a importância do cuidado com a eletricidade é como educar
para não beber e dirigir, é um trabalho constante, de formiguinha”, afirmou.
Ele também destaca como possível causa o aumento no consumo de eletricidade
frente a gerações anteriores, o que amplia a necessidade de
conscientização desse grupo.
Já o capitão dos
Bombeiros Gildomar Laves da Silva destaca que altas como essa geralmente
são associadas mais a descuidos com relação à atenção necessária com a
rede do que à falta de informação, que ele julga estar amplamente
disponível.
Qualquer que seja a
razão dos acidentes com a rede elétrica, ela pode trazer cicatrizes para a
sociedade ao atingir diretamente a vida de pessoas. Foi o que aconteceu, por
exemplo, com o irmão mais velho do eletricista goiano José Soares, que vive em
Brasília há mais de 10 anos.
Ele conta que há cerca
de 15 anos, quando já era empregado da área, o irmão começou a trabalhar na
mesma empresa que ele. Empolgado com o serviço, escalou um poste para um
conserto e, na hora de firmar a cinta para iniciá-lo, segurou-se em um fio de
alta tensão. Foi eletrocutado até ser arremessado no chão, do alto do
poste. As sequelas do acidente persistem até hoje. Ele perdeu metade do braço –
consumido pelo choque -, parte do movimento das pernas e teve a fala afetada.
Além disso, perdeu estatura, devido ao impacto da descarga elétrica.
“Eu, como irmão, fiquei
arrasado. Ele tinha esposa, filho, mãe. Uma coisa é acordar fisicamente bem em
um dia e, no outro, ter um acidente e acordar daquele jeito. Meu irmão ficou
muito mal”, conta. “Hoje está bem, graças a Deus, mas o impacto para toda a
família foi muito grande.”
Soares conta que,
apesar da tragédia, optou por continuar na profissão. Hoje, ele toma para si a
responsabilidade tanto de usar toda a proteção quanto de operar como
espécie de fiscalizador informal dos seus colegas de trabalho. Ele trabalha em
uma construção, onde é comum ser visto cobrando dos colegas o uso
de equipamentos de segurança.
“Eu já tomava cuidados,
mas quando vi uma pessoa querida queimada do meu lado, com a mesma profissão,
tive que triplicar o cuidado. Daí criei mais gosto ainda pela energia, mas com
mais cuidado”, prosseguiu.
Ação e reação
O Distrito Federal
ostenta um número nada positivo no que tange à fatalidade por quilômetro
quadrado, sendo o local com a maior densidade de mortes por choque no país
inteiro. Em 2015, registrou-se 1,3 morte por quilômetro quadrado, como
mostram dados da Associação Brasileira de Conscientização para os
Perigos da Eletricidade(Abracopel).
No recorte
populacional, o Distrito Federal ostenta números apenas medianos no
total de ocorrências por habitante. De acordo a Abracopel, a incidência de
mortes por choques é de 2,8 para cada milhão de habitantes – abaixo da média do
Centro-Oeste, mas acima de estados como São Paulo, por exemplo, que não chega a
2.
Uma série de ações e
campanhas de empresas e instituições empresariais têm sido realizadas para
atacar essa situação. É o caso, por exemplo, da própria CEB. Neste ano, a
empresa investiu R$ 215,4 mil em uma campanha chamada “Energia elétrica não é
brincadeira”, avaliada pelo diretor Raphael Ehlers dos Santos como uma das mais
“agressivas” que já fizeram.
Foram gravados vídeos
alertando sobre os perigos da rede elétrica. Esse material foi disponibilizado
para televisões e redes sociais. A ideia é viralizar e tentar conter o avanço
de ocorrências. “Nossa meta é fatalidade zero, já que o valor da vida é
incomensurável”, defendeu. A campanha alerta tanto para a rede pública quanto
para procedimentos internos dentro de casas e empresas.
Seis meses antes do
início da campanha da CEB, um funcionário morreu ao levar um choque
elétrico durante o trabalho. Paulo Henrique Santana, então com 22 anos,
fazia a manutenção da rede elétrica de baixa tensão da QI 25 do Lago Sul quando recebeu
a descarga de energia. Ele chegou a ser socorrido pelo Samu, mas não resistiu.
Canteiro de obras
Organizações como o Sindicato
da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) têm
cada vez mais reforçado a sua atuação, sobretudo em obras de construção, para
alertar sobre os riscos desses acidentes. A entidade estima que riscos com
eletricidade são a terceira principal causa de acidentes em canteiros de obras.
Por isso, com as organizações parceiras, eles realizam campanhas de
conscientização do uso de equipamentos individuais e coletivos apropriados
nas obras.
Diretor de Política e
Relações Trabalhistas do Sinduscon-DF, Santos conta que as empresas procuram
muito o sindicato devido ao rigor das normas da legislação da área, que podem
inclusive levar a multas. Desde que começou a trabalhar na área, ainda nos anos
1980, ele relata que houve uma série de mudanças e as mortes nos canteiros
começaram a ser mais raras.
Da mesma forma, os
bombeiros ampliaram as palestras e a inserção nos meios de comunicação com
informações sobre como evitar riscos envolvendo a rede elétrica.
Segurança
Em uma construção de um
centro comercial na Asa Norte, na altura da quadra 504, por exemplo, a técnica
em segurança do trabalho Fernanda Vieira de Araújo relata que a regra é
promover capacitação.
Segundo ela, o
valor médio de um treinamento, custeado pela empresa, é de R$ 300 por
funcionário, tanto para os treinamentos gerais – que servem para todas as áreas
– quanto para os mais específicos, como os voltados para a eletricidade
e aquele que abrange a NR10 – que trata justamente da segurança na área.
“Na ponta do lápis, é
uma economia. Evitamos acidentes, e isso leva a uma boa economia por não
haver paralisação de obras e indenizações. E também evitam-se óbitos. E isso
não tem preço”, destacou.
Ambientes
Se na avaliação macroeconômica
uma das grandes lacunas é justamente o elevado grau de informalidade de setores
do mercado, que impedem que regras de regulação, por exemplo, sejam
hegemônicas, a mesma máxima pode ser aplicada aos acidentes fatais envolvendo
choques elétricos.
Em 2015, segundo dados
da Abracopel, 43 pedreiros e ajudantes morreram por descargas elétricas, o
maior grupo profissional atingido por esses incidentes. Na sequência, aparecem
eletricistas e técnicos autônomos, 17, e pintores e ajudantes de obras, 15. Em
comum, eles têm o fato de que a maior parte dessas mortes ocorreu nas chamadas
“construções de fim de semana”, que são reformas ou ampliações feitas por conta
própria ou com auxílio informal. É o que explica o diretor-executivo da
Abracopel, Edson Martinho.
“Esse tipo de
intervenção tem que ser feita com o cuidado devido. É simples pedir o
desligamento da rede elétrica para as concessionárias, evitando maiores
riscos”, destacou.
Essas construções
também despertam a atenção dos bombeiros. “É a famosa gambiarra, onde a maior
parte dos acidentes acontecem”, disse o capitão Gildomar Laves da Silva.
Na CEB, por exemplo,
basta que o interessado em mexer na casa procure uma representação da empresa
ou faça o contato telefônico. “É um processo sem muita burocracia”, completou o
diretor Raphael Ehlers dos Santos.
Fonte: Metrópoles
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