Por Ricardo Callado
Um
projeto de lei para obrigar os estados a atualizar os regimentos
disciplinares da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros já tramita
no Congresso Nacional. O autor da proposta, deputado Subtenente
Gonzaga (PDT-MG) diz que a medida pode frear punições exageradas e
melhorar o trabalho das corporações. A matéria já foi aprovada na
Câmara e está pronta para ser votada pelo plenário do Senado.
Segundo
a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a legislação atual
equipara a atuação da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros à
das Forças Armadas e acaba por punir militares de forma
desproporcional em alguns casos, como de indisciplina. Especialistas
em segurança pública argumentam que a atualização de marcos
legais das corporações pode melhorar as condições de trabalho e
atende a demandas dos agentes e da sociedade.
De
acordo com a legislação, transgressões aos regimentos
disciplinares podem determinar a abertura de processo por infrações
ao Código Penal Militar, na Justiça Militar. O documento de 1969,
que rege as relações no ambiente militar, teve origem no Ato
Institucional número 5 – um dos mais duros instrumentos da
ditadura militar. Os regimentos das corporações também são, em
sua maioria, anteriores à Constituição de 1988 e permitem que
faltas como desacato ou desobediência sejam punidas com o mesmo
rigor que um homicídio culposo.
Prazo
para revisão
Para
atualizar os regimentos das PMs e dos Bombeiros, o projeto de lei,
que tramita no Congresso, fixa prazo de 12 meses para os estados –
por meio das assembleias legislativas – instituírem novos códigos
de ética e disciplina para as corporações. O deputado Subtenente
Gonzaga (PDT-MG) diz que é preciso assegurar aos agentes garantias
do processo legal, como o direito ao contraditório e à ampla
defesa, além de acabar com a prisão disciplinar.
“Tem
que atualizar tudo, inclusive a tipificação das condutas. Tem
estado em que dormir em serviço dá cadeia, em outro, o regimento
prevê o absurdo de a pessoa pedir [autorização à corporação]
para se casar”, critica. Segundo Gonzaga, as leis atuais,
especialmente as que tratam de punições disciplinares, são
desproporcionais e “institucionalizam o assédio moral”.
Apesar
de o projeto de lei não alterar o Código Penal Militar, apenas os
regimentos, a proposta torna mais difícil a condenação de agentes
militares por casos de baixo potencial ofensivo, e, na prática, pode
diminuir o número de processos por indisciplina que chegam à
Justiça Penal Militar, segundo Gonzaga.
“O
projeto prevê que penas de prisão sejam aplicadas apenas às
condutas tipificadas como crime e julgadas pela Justiça Militar. E
que as condutas tipificadas como falta disciplinar sejam punidas, mas
não com prisão, como acontece para quem chega atrasado, com cabelo
grande, farda mal passada. A prisão deve ser reservada ao crime, de
fato”, destaca.
Em
Minas Gerais, onde os regimentos foram atualizados, a pena de prisão
administrativa acabou em 2002. “A Polícia Militar e o Corpo de
Bombeiros de Minas Gerais não deixaram de ser referência de
instituições disciplinadas, que trabalham, e a segurança pública
não piorou”, compara o parlamentar. No estado, a pena mais alta
para infrações de indisciplina passou a ser a suspensão com perda
de salário.
Militares
apoiam reforma dos regimentos
A
atualização dos regimentos disciplinares encontra respaldo nas
corporações, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, que ouviu 21 mil policiais. Mais de 83% querem a reforma
dos documentos à luz da Constituição e uma parcela ainda maior
discorda da aplicação de leis criadas para as Forças Armadas para
o trabalho de policiais e bombeiros, a chamada desmilitarização.
Ex-chefe
do Estado-Maior da PM fluminense, o coronel Robson Rodrigues da
Silva, atualmente na reserva, diz que as leis militares – em
especial os regimentos – são anacrônicos e ineficazes para reger
a atuação de um policial hoje em dia.
“Esse
regimento é quase um espelho do regulamento do Exército, mas chegou
a hora de as polícias militares serem repensadas. Essa ambiguidade,
que deixa um pé em uma instituição militar e outro em uma
instituição civil, acaba trazendo problemas na hora de resguardar
direitos e não atende aos anseios da sociedade por uma polícia de
proximidade”, analisa o militar reformado e doutorando em segurança
pública na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Para
o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise
da Violência da Uerj e um dos mais importantes pesquisadores do tema
no país, a atualização trará dignidade aos agentes.
“Desmilitarizar a polícia não é tirar a arma dos policiais. É
atuar para que policiais tenham direitos como qualquer cidadão, de
se organizar, de revindicar direitos, de não serem tratados de forma
arbitrária e autoritária e atender melhor a população”,
defendeu em entrevista recente ao Canal Saúde, da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz).
Procurada
para falar as regras disciplinares da corporação, a Polícia
Militar do Rio de Janeiro informou que aplica o Código Penal Militar
e o Regulamento Disciplinar. Já o Corpo de Bombeiros preferiu não
comentar os casos e destacou que não cabe à instituição legislar
sobre as normas.
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