Em menos de um mês, pelo menos
três servidores da Secretaria de Segurança morreram ao reagir a
assaltos. As vítimas foram um policial civil, um bombeiro e, há uma
semana, um agente penitenciário. Todos estavam armados. De acordo
com a Polícia Militar do DF, dez policiais morreram durante a folga
em 2013 e seis no ano passado. A maior parte deles foi vítima de
disparo de arma de fogo, decorrente de homicídio doloso ou
latrocínio.
Segundo levantamento feito pela
BBC Brasil junto aos governos estaduais, um policial foi assassinado
para cada quatro cidadãos mortos pela polícia em 2013. Foram 316
baixas nos quadros das policias Civil e Militar, a maior parte delas
fora do horário de trabalho.
A Secretaria de Segurança diz
ter verificado junto às corregedorias de polícia (PM e PCDF) o
número de policiais mortos de forma violenta, fora do horário de
serviço. Segundo a pasta, “nos anos de 2013 e 2014 não foram
registrados Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) de agentes
de segurança pública”.
De acordo com o presidente do
Sindicato da Polícia Civil (Sinpol- DF), Rodrigo Franco, os números
foram solicitados ao antigo governo, que não atendeu a demanda. “Os
policiais têm a obrigação legal de reagir a qualquer situação
que coloque em risco a segurança pública, trabalham 24 horas, até
quando estão de folga. Mas normalmente os bandidos agem de forma
ainda mais violenta quando descobrem que a vítima é policial. Fazem
isso porque têm certeza da impunidade”, alega.
“O Sinpol manifesta
solidariedade às famílias dos servidores. Pretendemos organizar
um ato, com outras categorias, para pedir mudanças
constitucionais. A redução da maioridade penal e o endurecimento
das penas para quem comete crimes contra agentes do Estado são
necessidades imediatas”, diz.
Ponto de vista
Para Ignacio Cano, sociólogo e
coordenador de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio
de Janeiro (Uerj), tanto o alto número de mortes causadas pela
polícia quanto as baixas de policiais são dados que preocupam
por poderem configurar "um presságio" de maiores níveis
de violência. Ele atenta ao fato de que os policiais morrem mais
quando estão de folga, em situação vulnerável. "Quanto mais
mortes causadas pela polícia, mais policiais vão ser mortos quando
estiverem trabalhando na segurança privada – o que não é
permitido - ou ao serem surpreendidos onde moram. Isso, por
consequência, significa que a polícia vai matar mais depois,
entrando num círculo vicioso”, aponta. O especialista em segurança
pública Jorge Lordello recomenda que as pessoas não reajam a
assaltos. Segundo ele, 80% das vítimas que reagem acabam baleadas.
“Fugir do local, fazer movimentos bruscos e manter o carro engatado
no semáforo também pode ser perigoso”, alerta. “No caso de um
assalto, é possível que a pessoa se distraia, em função do
nervosismo, e tire o pé da embreagem. O carro dá um tranco e o
marginal pode disparar”, completa o especialista. De acordo com
ele, normalmente os criminosos não querem ferir as vítimas, mas se
sentem ameaçados em caso de reação.
Defesa de reformulação
Leandro Allan, presidente do
Sindicato dos Agentes Penitenciários (Sindpen), enfatiza a
necessidade de mudanças na Constituição e acredita que a sociedade
vive um momento de inversão de valores no que tange a criminalidade:
“Quando um bandido ataca um agente da lei, está atacando o Estado,
a sociedade. Por isso defendo penas mais rígidas para este tipo de
crime”.
Átila Roque, diretor da Anistia
Internacional no Brasil, afirma que "temos uma das polícias que
mais matam e morrem no mundo”. Ele acredita que, no contexto
nacional, o policial civil ou militar é “tanto algoz quanto
vítima”, em um modelo de segurança pública que necessita de
“urgentes reformas”, incluindo a desmilitarização das polícias.
Para ele, a dificuldade de
obtenção de estatísticas sobre o tema reflete o grau de resignação
da sociedade em relação à violência policial. "É
impressionante, um Estado democrático, em pleno século XXI, não se
ter esses números”, cobra.
Ação busca “evitar um mal
maior”
De acordo com a Polícia Militar
do DF - única instituição que possui e forneceu dados sobre
mortes violentas de seus servidores fora do horário de trabalho -,
os policiais recebem treinamento especializado para saber como agir
em situações de perigo.
“Nossos homens são treinados
em armamento, munição, tiro, defesa pessoal e abordagem. A
recomendação dada a qualquer pessoa é não reagir em caso de
assalto, mas no caso do policial nem sempre é possível. Muitas
vezes precisamos tomar ações a fim de evitar um mal maior”, diz.
Para que o agente da lei não se
torne vítima, a PM recomenda que “no horário de folga o policial
evite andar com qualquer objeto que o caracterize como militar”.
ANDAR DESARMADO
O Corpo de Bombeiros explicou,
por sua vez, que não faz parte da conduta dos militares da
corporação andar armado. “Até quando vamos dar voz de prisão,
não o fazemos utilizando armas de fogo. Então, o que aconteceu com
o sargento Francisco Barros (morto ao reagir a assalto a agência dos
Correios), que inclusive já estava afastado das atividades, foi um
caso isolado. A recomendação é nunca reagir”, declara.
O major do Corpo de Bombeiros
Leonardo Silva, 40 anos, já ministrou cursos de capacitação para
porte de arma dentro da corporação. Ele acredita que não há uma
regra para a conduta do agente de segurança pública em uma situação
de perigo.
“O treinamento ministrado no
Corpo de Bombeiros é muito básico, apenas para o porte de arma, mas
a reação depende sempre da oportunidade”, esclarece. “No crime
em Taguatinga, o sargento Barros errou ao entrar na agência dos
Correios sozinho. Ele deveria ter aguardado do lado de fora, com a
arma em punho. Caso os assaltantes representassem risco à segurança
dele e de outras pessoas, aí sim ele reagiria. Mas acho que ele foi
encorajado por uma das vítimas que conseguiu sair da agência e
teria dito que os criminosos estariam fugindo pelos fundos”,
acredita.
Sem arrependimento
Lidenberg Melo, agente da Polícia
Civil, 37 anos, não pensou duas vezes ao reagir a um assalto. “Eu
combinei de encontrar amigos numa pizzaria, na 309 Norte. Tinha
acabado de estacionar o carro quando dois bandidos vieram correndo na
minha direção. Vi que um deles ainda estava mexendo na arma e
aproveitei para reagir. Levei dois tiros, um pegou no abdome e o
outro no celular, que estava na cintura. Ainda assim, atingi o ladrão
duas vezes no peito. Ele correu por 50 metros e caiu morto”,
lembra.
Lidenberg não se arrepende de
ter reagido. “Sem sombra de dúvidas fiz a coisa certa. Reagindo,
as coisas não fugiram do meu controle. Se eles tivessem descoberto
que eu sou policial, não sei o que poderiam ter feito. Isso porque,
para um bandido, matar um policial é motivo de orgulho” diz.
Perguntado se teria feito o mesmo
na companhia de amigos e familiares, o agente é categórico ao
afirmar que sim. “Seriam mais pessoas sob a minha
responsabilidade”, diz. “Acho que se houver possibilidade, o
policial deve reagir. Não estamos a serviço da criminalidade,
quanto menos bandidos a solta melhor”, conclui.
O JBr. não conseguiu contato com
a Associação dos Oficiais da PMDF e com a Associação dos
Bombeiros Militares (Assofbm).
Memória
Há exatamente uma semana, o
agente penitenciário Henrique Honda Bispo, 27 anos, acabava de
estacionar o carro próximo à casa da noiva quando dois bandidos
armados anunciaram o assalto. De acordo com um outro agente, que
preferiu não se identificar, Bispo chegou a sair do veículo, a
pedido dos criminosos. “Ele não apresentou resistência, só que
os bandidos revistaram o carro e encontraram seu distintivo, o que
fez com que o alvejassem com cinco tiros”, conta. Henrique não
resistiu aos ferimentos. A família da vítima relata que o agente
nunca havia sido ameaçado.
Há duas semanas, o sargento
reformado do Corpo de Bombeiros Francisco Barros tentou render
assaltantes em uma agência dos Correios e morreu baleado, no dia em
que completava 56 anos.
No começo do mês, o agente
aposentado Flávio Viana de Castro, 50 anos, levou seis tiros durante
um assalto no Gama. Em depoimento, um jovem de 16 anos, suspeito de
participar do crime, disse que o policial foi baleado porque tentou
reagir ao roubo do carro.
Direito de andar armado
A foto abaixo é da cena do crime
que matou o agente penitenciário Henrique Honda Bispo, na semana
passada (leia a memória). A categoria reivindicou o porte de arma
fora do expediente durante anos, direito garantido em lei no ano
passado. Mas nem todos que têm aval para andar armado se sentem
aptos a usar o armamento. Ericsson Martins, major do Corpo de
Bombeiros, 37 anos, diz que não tem recebido treinamento ou
praticado tiro. “Se o bandido percebe que você está armado e é
um militar, tende a ficar mais agressivo. Ele ainda pode tentar te
render a fim de tomar sua arma. Por esse e outros motivos, prefiro
não andar armado”, comenta.
Fonte: Da redação do Jornal
de Brasília
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