Por Stacciarine
Eles
usam farda, aprendem a marchar e passam pelo mesmo curso de
treinamento para ingressar na carreira. São chamados pela patente e
têm porte de arma em algumas organizações militares. Em meio ao
tradicional uniforme das Forças Armadas, ou de segurança pública,
um símbolo na ombreira os identifica: a cruz latina ou a Bíblia
aberta com um facho. São sacerdotes e pastores contratados pelo
Estado para uma função religiosa na tropa. Eles também embarcam em
missões e eventos específicos, mas para levar a espiritualidade e o
apoio humano e social aos integrantes das corporações.
Além
de celebrar missas e cultos para a comunidade militar, os capelães
católicos e evangélicos também presidem casamentos, fazem
palestras e atuam em casos de extrema unção, mas não têm
tratamento diferenciado dentro da tropa. Respondem às mesmas
hierarquias e exigências militares. Eles são policiais, bombeiros e
militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Cada
força tem uma quantidade de capelães. Na PM e nos Bombeiros, no DF,
são dois: um padre e um protestante em cada corporação,
respectivamente. Nas Forças Armadas, o número é maior. Na
Aeronáutica são 35: 28 católicos e sete evangélicos em todo país.
No Exército, 63 capelães estão divididos em 43 sacerdotes e 20
pastores. E na Marinha o número chega a 51: 37 católicos e 14
protestantes. Por enquanto não existem militares religiosos de
outras doutrinas, porque a quantidade é definida por um censo que
define o credo de cada militar. A cada 2 mil homens ou mulheres de
uma religião há um concurso para o chamamento do capelão daquela
crença.
Na
vida militar eles começam como 2º tenente e podem chegar ao posto
de coronel no Exército e na Aeronáutica e de tenente-coronel nas
forças de segurança pública. Na Marinha eles vão até a patente
de capitão-de-mar-e-guerra, equivalente a coronel. O militar
evangélico na PM tem até o curso de tiro defensivo e anda armado.
“A autuação da polícia é constituída por Deus e o uso da força
é legítima de acordo com a lei e a necessidade. Quando um policial
age, é para livrar a vida de alguém”, justificou o
tenente-coronel Gisleno de Faria, capelão evangélico desde 2009.
“Nós
mostramos ao guerreiro que ele não está sozinho”
Em
uma ala no prédio do Ministério da Aeronáutica, a protetora dos
aviadores, Nossa Senhora do Loreto, abençoa o corredor onde fica o
Serviço de Assistência Religiosa da Aeronáutica (Sara) e a capela.
O tenente-coronel Fernando Augusto Sabino, 55 anos, é o capelão
adjunto do Sara. Ele, que leva assistência a quem precisa, superou
as próprias dificuldades quando fez o curso de aperfeiçoamento para
ingressar na vida militar, aos 32 anos de idade. “O primeiro
contato assusta, mas, com o apoio dos colegas, nós superamos. O
trabalho é em equipe e, ao acreditar na graça de Deus e em você, é
possível vencer”, ressaltou.
Na
FAB os capelães não usam arma e dispensam o porte. Isso porque a
Convenção de Genebra assim estabelece, já que eles não exercem a
função de combatentes. A justificativa: “Estamos aqui para gerar
a vida e não a morte”, explicou o tenente-coronel. Natural de
Guaratinguetá (SP), o oficial foi ordenado padre em Uberlândia
(MG).
Como
militar, passou por diversos estados, mas retornou a Brasília em
2017, após oito anos em missão no Norte do país, quando passou por
Boa Vista e Manaus fazendo o trabalho de espiritualidade, fé e força
aos militares que estavam longe das famílias. “Levar uma notícia
dos filhos e da esposa a um militar que está em missão, em regiões
mais afastadas, alguns confinados há 40 dias, é muito gratificante.
É uma alegria para nós quando podemos estar ao lado de um militar
levando as novidades da mulher e dos filhos. Eles ficam com um
sorriso no rosto”, destacou.
O
militar ingressou na FAB cinco anos após se tornar padre. “Nós
mostramos ao guerreiro que ele não está sozinho. Deus os está
abençoando e todos estão juntos. Prestamos todo apoio necessário”,
contou.
“O
salvamento é com os bombeiros. A salvação é com Deus”
Orgulhoso
das duas fardas que usa — da batina e do uniforme dos bombeiros —,
o tenente-coronel capelão dos bombeiros Fernando Airton de Macedo
Rebouças circula com as roupas de sacerdote quando está na área da
capelania da corporação. Mas coloca farda quando vai celebrar ou
participar de algum evento militar.
Fora
dessas ocasiões, no entanto, ou ele está de batina ou com calça
preta e camisa tipo clergyman de sacerdote. “Tenho muito orgulho em
usar a farda dos bombeiros, mas identificamos que os militares se
sentem mais à vontade quando me veem como padre. Costumo dizer que o
salvamento é com eles. A salvação é com Deus”, destacou o
padre, que é militar há 18 anos e foi ordenado sacerdote em 2003.
O
tenente-coronel recebe as continências prestadas pelos colegas de
farda de patentes mais baixas. Não usa arma e dispensou o porte. No
treinamento para ingresso na corporação, foi liberado do curso de
tiro. E, na formatura, em vez da espada, a bíblia estava em mãos.
“Não temos espada nem treinamento e somos isentos da arma”,
explicou.
Quando
recebeu a reportagem na capelinha dos bombeiros, com a batina no
corpo, o tenente-coronel trazia o símbolo do setembro amarelo: a
prevenção ao suicídio. Integrante da organização do Fórum de
Prevenção ao Suicídio, ele e outros militares, como médicos,
enfermeiros e psicólogos, organizam palestras e cursos em uma rede
de saúde integrada. Nos bombeiros, em razão do contato diário com
a vida e a morte, o estresse é presente na vida dos militares. “Está
comprovado que quanto mais fé, mais qualidade de vida, melhores os
resultados profissionais, menor são os índices de suicídio,
alcoolismo, envolvimento com drogas e doenças, como hipertensão”,
reforçou.
“A
maior gratificação é transformar vidas”
É
na Capelania Militar Evangélica da Polícia Militar, no Setor
Policial Sul, onde fica o tenente-coronel pastor Gisleno de Faria.
Aos 35 anos, ele é o chefe da Capelania da PMDF. Formado em teologia
e psicologia, o capelão tem a possibilidade de unir as duas
formações nas questões ministeriais militares.
Na
corporação ele viu a oportunidade de continuar a missão
protestante. Além da educação religiosa, o oficial também
trabalha aspectos educacionais morais, valores, a importância da
família e faz atendimentos hospitalares, domiciliares e a militares
presos. “Temos as horas de reflexão, oração e momentos com
Deus”, ressaltou.
O
tenente-coronel circula fardado e armado. Em atividades realizadas
com vestes clericais, o uso da arma é dispensável, mas, sempre
quando se coloca o uniforme, a pistola faz parte da composição. Na
visão do capelão, apesar de ser pastor é, também, policial e
precisa estar preparado para atender a qualquer tipo de ocorrência.
“O policial faz o uso da força para priorizar a vida”, destacou.
Ele
reforçou ainda que, fora da organização militar, pastores civis
atendem aos fiéis de acordo com a doutrina. “Foi constatado que a
assistência religiosa, humana e social contribui com o aumento da
motivação profissional, da excelência e da boa relação entre os
colegas”, pontuou.
Militar
desde 2009, o capelão reforçou que o trabalho tem contribuído na
redução de índice de suicídios, na violência doméstica cometida
por policiais em casa e nos casos de alcoolismo e depressão. “A
maior gratificação é poder ajudar e ver vidas transformadas com as
mudanças. Tenho orgulho em servir a pátria, em servir Brasília e
fazer com que o policial tenha razões para voltar a viver”,
destacou. O tenente-coronel tem mentores a quem ele recorre em casos
de dúvidas ou crises.
O
que diz a lei
O
serviço religioso nas Forças Armadas é regulado pela Lei Nº
6.923, de 29 de Junho de 1981, e tem por finalidade “prestar
assistência religiosa e espiritual aos militares, aos civis das
organizações militares e às suas famílias, bem como atender a
encargos relacionados com as atividades de educação moral
realizadas nas Forças Armadas”. Com base na lei, cada Força
organiza seu serviço religioso e estrutura seu quadro de capelães
através das instruções gerais e instruções reguladoras.
Para
saber mais
As
atividades do serviço religioso são norteadas por duas linhas de
ação: a assistência espiritual, que tem por objetivo despertar e
desenvolver a dimensão espiritual do militar e dos seus familiares,
bem como assisti-los nos momentos de crise ou de dificuldade; e a
assistência religiosa, que tem por finalidade atender as demandas
específicas da fé dos segmentos mais representativos da Força e é
realizado através da missa, do culto, da reunião espírita, da
catequese, da escola bíblica, do estudo de doutrina da ministração
dos sacramentos.
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