Proximidade
do fim do mandato da procuradora-geral da República abre discussões
sobre sucessão. Nos bastidores do MPF acredita-se que Bolsonaro não
deverá mantê-la no cargo
Por
Camila Venosa
Faltando
quase 10 meses para o fim do mandato da procuradora-geral da
República, Raquel Dodge, integrantes do Ministério Público Federal
(MPF) já começam a debater a sucessão da PGR e a força da lista
tríplice para a próxima indicação. Pelo sistema da lista,
qualquer membro do MPF em atividade e com mais de 35 anos de idade
pode se candidatar ao cargo. A partir daí, os três nomes mais
votados pelos procuradores compõem o documento, que é encaminhado
ao presidente da República. Com o crivo do presidente, o nome
escolhido é levado ao Senado, onde precisa ser aprovado pela maioria
dos parlamentares. Criada em 2001, a lista só não foi seguida em
sua primeira edição. Desde 2003, todos os chefes de Estado têm
acompanhado as escolhas dos procuradores.
Caso
tenha interesse, Raquel Dodge poderá tentar a recondução ao cargo
para mais um período de dois anos. Mas o histórico de garantia de
escolha pela lista pode estar prestes a mudar. Membros da carreira do
MPF ouvidos pela reportagem e que não querem se identificar,
acreditam que são grandes a chances de Dodge não entrar em um
segundo mandato por falta de afinidade com o presidente eleito Jair
Bolsonaro. Em abril deste ano, a procuradora-geral denunciou o então
deputado Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) por racismo
e manifestação discriminatória contra quilombolas, indígenas,
refugiados, mulheres e LGBTs. A 1ª turma do STF rejeitou a denúncia.
Além
disso, durante a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro afirmou que a
maior parte do MPF é isenta, mas não se comprometeu a escolher o
titular da Procuradoria-Geral da República pelos nomes mais votados
caso eles tenham ligação com a esquerda. “O critério é a
isenção. É alguém que esteja livre do viés ideológico de
esquerda, que não tenha feito carreira em cima disso. Que não tenha
sido ativista no passado por certas questões nacionais”, disse o
futuro presidente em 16 de outubro.
O
discurso de Bolsonaro acendeu alerta nos defensores da lista
tríplice. De acordo com um dos procuradores entrevistados, a questão
não necessariamente está ligada a Raquel Dodge, mas, sim, à falta
de comprometimento com o documento. “O fato de o governo não
conduzi-la (Dodge) não significa que haverá insatisfação. Não é
uma obrigação constitucional. Tradicionalmente, temos feito
eleição. (...) mas haverá questionamentos mais fortes da classe se
alguém que não estiver na lista tríplice for indicado.”
O
presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República,
José Robalinho Cavalcanti, lembra que, apesar de não haver
hierarquia, é importante que o chefe da carreira seja respeitado
pelos demais membros do MPF. “Não existe hierarquia, o
procurador-geral não manda nos outros procuradores. Então, já que
não existe condições de mandar, ele precisa ser respeitado como
líder. É a lista da respeitabilidade. Quando o presidente escolhe
pela lista, você ganha respeitabilidade extra”, diz Robalinho.
Para
o professor de direito da Universidade de Brasília (UnB), Juliano
Zaiden Benvindo, escolher o próximo procurador-geral da República a
partir dos nomes mais votados pelos procuradores atribui caráter
mais republicano ao sistema. “A lista parece-me mais republicana do
que uma escolha apenas do Executivo, senão, é o controlado
determinando quem vai ser o controlador do poder”, avalia. Mas
Benvindo afirma que o enfraquecimento da lista é anterior a
Bolsonaro, teria começado quando o presidente Michel Temer ignorou o
nome mais votado, em 2017. “Temer abriu a caixa de Pandora ao
indicar quem não era o primeiro colocado”, defende.
A
discussão sobre a sucessão da Procuradoria-Geral da República
ganhou mais um capítulo com a escolha do juiz federal Sérgio Moro
para assumir o Ministério da Justiça. De acordo com Robalinho, é
“absolutamente normal” que o titular da pasta da Justiça
participe do processo de escolha. O presidente da ANPR é taxativo ao
dizer que Moro sabe da importância da independência da PGR. “A
lista tríplice, a independência e a credibilidade são parte
essencial da Lava-Jato ser o que foi. Sem a lista, a operação que
atacou várias pessoas que estavam no governo não teria forças para
continuar. A Lava-Jato não seria a sombra do que foi. Tenho certeza
de que Moro sabe disso. (...) Não acredito que Moro e o presidente,
refletindo com mais calma, não respeitarão a lista”, argumentou.
Decisão
pode passar por Moro
Integrantes
do Ministério Público Federal acreditam que o futuro
procurador-geral da República deverá aconselhar o presidente a
escolher um nome da lista tríplice, mas admitem que a situação
pode se complicar caso nenhum dos nomes corresponda às expectativas
de Bolsonaro. “O que a classe acredita que vai acontecer nas
nomeações da PGR é que os nomes que estiverem em cogitação serão
examinados pelo Moro e ele vai dar a opinião dele no que o
presidente gostaria de ver. É o que acontece em todo governo. (...)
Agora, se na lista estiverem nomes que não se enquadram no que o
presidente gostaria, aí ele deve pedir indicação de fora a Moro”,
afirma um procurador, que não quer se identificar.
A
expectativa dos procuradores é de que, caso haja indicação
externa, Moro apresente um nome conhecido da Lava-Jato e que tenha
pautas similares ao defendido por ele – combate à corrupção e ao
crime organizado. Mas, para o professor Benvindo, essa indicação
seria improvável, pois teria menos chance de ser aprovada na
sabatina do Senado. “Não soa muito tranquilo para o sistema
político ter alguém da Lava-Jato na Procuradoria-Geral da
República. É difícil imaginar alguém do Senado deixando passar um
nome assim. (Por mais que os apoiadores do governo queiram), o Senado
não tem tanta base de apoio de Bolsonaro”, explica.
Ademais,
os defensores da lista ainda têm um trunfo na manga: a indicação
de alguém de fora pode ter o efeito de feitiço reverso para Moro. O
próximo titular da Justiça já declarou seu interesse em pleitear
uma posição futura no Supremo Tribunal Federal (STF). E ministros
da corte, assim como do STJ, poderiam ver com maus olhos a escolha de
um nome de fora em detrimento de um subprocurador, que está no topo
da carreira.
MUDANÇA
NA AGU Na
última semana, advogados públicos federais apresentaram a Bolsonaro
um ofício que pede a consideração de uma lista tríplice da
Advocacia-Geral da União para a escolha do próximo líder da
classe. Assim como na PGR, o presidente não tem obrigação legal de
seguir a indicação. No caso da AGU, o documento encaminhado a
Bolsonaro é resultado de uma seleção entre três carreiras:
procurador da Fazenda Nacional, advogado da União e procurador
Federal. A atual comandante da pasta, a advogada Grace Mendonça, foi
indicada por Temer, em 2016, como nome fora da lista.
Fonte:
Estado de Minas
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