Por Eduardo Militão
O ministro da Justiça, Sergio
Moro, anunciou que pretende enviar ao Congresso Nacional um projeto
anticrime que inclui a criação do chamado "plea bargain",
ou "acordo penal". Neles, acusados confessam crimes para
encerrar o processo mais rapidamente.
Na prática, o réu e o MP
(Ministério Público) fazem acordo para que se cumpra uma pena menor
- prisão, multa ou serviços comunitários por exemplo - em troca da
confissão e de algumas condições. "O plea bargain [é] para
que a Justiça possa resolver rapidamente casos criminais nos quais
haja confissão", anunciou Moro no discurso de transmissão de
sua posse. O instrumento é usado nos EUA, em que 90% dos casos
criminais são resolvidos dessa forma, desafogando o judiciário.
Basicamente, o "plea
bargain" seguiria o modelo norte-americano. Valeria para
qualquer crime cometido por uma só pessoa, ou não envolvendo uma
organização criminosa, de furto, assalto, homicídio e corrupção.
O promotor e o investigado negociariam para resolver a situação
rapidamente sem ingressar na Justiça. Hoje esse tipo de acordo só é
possível em crimes de menor potencial ofensivo, como lesão corporal
leve.
Como há uma confissão,
naturalmente haveria redução da pena, que seria imposta ao acusado
pelo próprio MP, e não pelo juiz, como acontece hoje.
A medida agrada a setores do MP,
pois resolveria rapidamente situações como furtos, assaltos,
homicídios e casos de corrupção sem envolvimento de organizações
criminosas. Mas é vista com desconfiança na Polícia Federal e nas
universidades. Pessoas pobres seriam mais suscetíveis a isso, diz o
professor Eugênio Pacelli.
A assessoria do Ministério da
Justiça disse que não poderia detalhar o projeto porque ele ainda
está em elaboração. Porém, Moro tem dito reservadamente que
haverá "cautelas", como exigir que as confissões abordem
todos os detalhes do crime. Haverá ainda "algum controle
judicial" sobre as provas usadas para embasar o acordo.
"Plea bargain" é
mais amplo do que delação, diz Janot.
O subprocurador-geral da
República Rodrigo Janot, que comandou a PGR (Procuradoria Geral da
República) entre 2013 e 2017, na maior parte da Lava Jato, elogiou a
iniciativa de Moro. Ele disse que o acordo penal ajudaria a desafogar
o Judiciário pois "é mais amplo do que a colaboração
premiada", usada na maior operação anticorrupção do país.
"Tem o meu apoio completo",
afirmou o ex-procurador-geral e professor de compliance e corrupção
no Uniceub (Centro Universitário de Brasília). "A Justiça
penal negociada é o futuro", continuou.
Segundo o criminalista Eugênio
Pacellio, professor do mestrado em Direito Penal do IDP (Instituto de
Direito Público) e ex-procurador da República, há uma
possibilidade de o investigado não admitir os crimes e apenas ser
punido com outras medidas. "Nos EUA, há duas modalidades
básicas: plea guilty e o bargain", explicou . "No
primeiro, admite-se a culpa do crime imputado. No segundo admite-se a
negociação da pena sem a confissão daquele crime específico."
Janot afirma que acordos ruins
não poderiam ser feitos a bel prazer dos promotores, procuradores e
suspeitos. Tudo deveria obedecer ao tamanho das punições e tempo de
cadeia previstos no Código Penal.
“Esse
acordo não é livre. A lei fixa os parâmetros"
Para
Janot, todos os acordos deverão ser referendados no Judiciário para
serem homologados e conferidos se não houve nenhuma ilegalidade, ao
contrário do que ocorre nos EUA. "Aqui não tem como, não se
pode afastar do Judiciário o controle. É o dispositivo
constitucional."
Preocupação
com fraudes
Como
não há organizações criminosas envolvidas, quem faz o acordo
penal não precisa identificar outros participantes do crime. Se
houvesse, o método correto seria a colaboração ou delação
premiada, em que é preciso sempre admitir o crime e apontar os
outros criminosos.
Janot
diz que o projeto de lei de Moro certamente incluirá medidas para
impedir que uma pessoa assuma uma conduta de maneira isolada
falsamente, fazendo um "plea" (apelo) com o objetivo de
proteger os mandantes e líderes do esquema. "Aí tem quebra de
acordo, vai ter que prever o aumento de pena...", exemplificou.
A situação dependeria de a fraude ser descoberta.
Outros
procuradores foram que atuaram na Lava Jato foram ouvidos e em outras
grandes operações, como a Greenfield, todos entusiastas da ideia.
Um deles lembrou que, com as mesas "limpas", os juízes se
dedicariam apenas aos grandes casos criminais.
A
ideia do acordo penal chegou a ser incluída nas chamadas "Dez
Medidas Contra a Corrupção" apresentadas ao Congresso em 2016
com apoio de procuradores da Lava Jato.
Pessoas
pobres fariam confissões falsas, diz professor.
O
"plea bargain" é visto com desconfiança por três
investigadores da Polícia Federal que participaram de grandes
investigações como a Lava Jato, mas pediram anonimato à
reportagem. Um deles atuou na delação premiada do ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa e fez tratativas iniciais na
colaboração de Marcelo Odebrecht, que acabou sendo executada apenas
pela Procuradoria.
Para
Eugênio Pacelli, estudos mostram que o acordo atingiria mais as
pessoas pobres e inocentes. Ao contrário dos réus ricos e
inocentes, elas não teriam condições de bancar advogados e
interesse em enfrentar um processo judicial longo. Nessa ideia,
facilmente optariam por um acordo penal para se livrarem de um
processo com o risco de serem condenados. O professor afirma que
aumentariam as ameaças e as intimidações, e a Defensoria Pública
teria que assumir um papel mais ativo.
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