O projeto de cães-guia do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) vive o maior avanço desde sua criação. Com expectativa de entregar 20 cães-guia por ano a partir de 2027, a corporação iniciou oficialmente uma campanha para recrutar famílias voluntárias que desejam participar da etapa de socialização — fase decisiva para formar animais capazes de garantir autonomia, segurança e inclusão a pessoas cegas ou com baixa visão.
A nova etapa chega logo após o nascimento dos filhotes da cadela Mila, sobreviventes de um parto complicado e agora protagonistas do futuro da iniciativa. Com pouco mais de um mês de vida, eles se desenvolvem no canil totalmente reformado do CBMDF, que recebeu adaptação completa para garantir higiene, conforto e estímulos essenciais ao aprendizado.
Por que as famílias são essenciais
Os filhotes permanecem no canil até os 90 dias de vida. Depois disso, vivem de 10 meses a 1 ano com famílias socializadoras. É nesse período que aprendem a lidar com ambientes reais — ônibus, metrô, elevadores, ruídos urbanos, crianças, escritórios, mercados, parques.
“Um cão criado apenas no canil não teria condições emocionais de acompanhar uma pessoa cega no mundo real”, explica o coordenador do projeto, major João Gilberto Silva Cavalcanti. “Diferente dos cães farejadores, o cão-guia precisa de sensibilidade, convivência humana plena e estabilidade emocional.”
Hoje, dez cães já estão em socialização, entre pastores alemães, labradores e golden retrievers. A inclusão do pastor-alemão como cão-guia é uma inovação do CBMDF — raça pouco usada para este fim no Brasil, mas amplamente empregada em países europeus.
Quem pode participar
Segundo a psicóloga voluntária do projeto, Fernanda Debattisti, o principal critério é ter tempo e disposição. Casas são ideais, mas apartamentos não impedem participação. O tutor precisa inserir o animal na rotina:
- Caminhadas diárias
- Passeios em espaços públicos
- Exposição a diferentes pessoas e ambientes
- Cuidados básicos de saúde e comportamento
O CBMDF fornece ração, acompanhamento veterinário e suporte técnico. Despesas extras (como brinquedos) são opcionais.
O vínculo afetivo é inevitável — e parte do processo. “Não queremos que a família não se apegue. Queremos sim que se envolva. O amor ajuda no desenvolvimento do cão”, reforça Fernanda.
Após devolver o cão ao fim da socialização, a família pode receber outro filhote, criando um ciclo contínuo de apoio.
O impacto na vida de quem recebe um cão-guia
Do outro lado da história, pessoas com deficiência visual aguardam com ansiedade por autonomia. É o caso de Esio Cleber de Oliveira Júnior, de 28 anos, que recebeu seu cão-guia Baré em 2021 — após sete anos na fila.
“Ele é meus olhos. O cão-guia me dá confiança para andar num lugar que ontem tinha calçada e hoje tem um buraco”, afirma.
Além da segurança, Esio destaca a inclusão social: “Com a bengala, as pessoas veem a deficiência antes da pessoa. Com o cão, elas se aproximam. O cão-guia abre portas.”
Com a expansão do programa, Esio acredita que a espera deve cair para 6 meses a 1 ano.
Formação de treinadores e ampliação do projeto
Para manter a qualidade, o CBMDF pretende formar apenas cães de excelência — nunca “bons o suficiente”. Um animal mal treinado pode colocar a vida do usuário em risco.
Por isso, em fevereiro será lançado o primeiro curso de formação de treinadores, com duração de dois anos. Serão 10 alunos (6 militares e 4 civis), que aprenderão desde avaliação genética até treinamento avançado em ambientes externos.
Além disso, o projeto ganhará uma nova função em 2026: cães farão parte de programas de mediação emocional em escolas cívico-militares, ajudando crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A proposta nasceu após o major Cavalcanti observar, em escola do Lago Norte, as dificuldades de interação enfrentadas por alunos neurodivergentes.
Os animais atuarão como facilitadores sociais — ajudando no acolhimento, reduzindo crises e promovendo interação.
Um projeto que transforma vidas — nos dois lados da coleira
O CBMDF vê no programa uma das iniciativas de maior impacto humano já implementadas pela corporação. Ele muda a vida de quem recebe o cão — mas também transforma a rotina das famílias que acolhem os filhotes.
E agora, com expansão confirmada, o Distrito Federal se aproxima de se tornar referência nacional na formação de cães-guia.


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