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A DEMOCRACIA SEM O POVO E O POVO SEM DEMOCRACIA

Por Paulo Briguet 
Quem precisa de povo nas ruas quando tem nas mãos a mídia, as urnas e a Suprema Corte?
O escritor tcheco Milan Kundera, que viveu a experiência do comunismo no Leste Europeu, mostra em seus romances mais antigos ― como A Brincadeira e O Livro do Riso e do Esquecimento ― que uma das principais armas do regime totalitário contra o povo é a da humilhação psicológica: as pessoas são obrigadas a declarar o contrário que viram com os próprios olhos e ouviram com os próprios ouvidos. Quando o indivíduo é obrigado a negar a evidência dos sentidos e do intelecto, cria-se uma espécie de dogma da mentira, que é erigido como verdade oficial.
Quer um exemplo prática de como essa máquina de humilhação opera? Compare as manifestações realizadas nos últimos dias 7 de setembro, 12 de setembro e 2 de outubro. Na primeira, todos viram milhões de pessoas nas ruas em defesa das liberdades públicas, em apoio ao presidente Bolsonaro e em protesto contra o STF; na segunda e na terceira, manifestações esvaziadas em defesa do impeachment. Bolsonaro foi e continua sendo ovacionado por onde quer que vá. O principal nome da oposição simplesmente não tem coragem de mostrar a cara nas ruas, enquanto seus jagunços auxiliares passam vergonha discursando para gatos pingados. As multidões pacíficas são apresentadas como defensores da ditadura. Os gatos pingados e raivosos são apresentados como campeões de popularidade.
Mas quem precisa de povo nas ruas quando tem nas mãos a grande mídia, as urnas eletrônicas, a apuração centralizada, a Suprema Corte e todo o patronato político do país? Chegamos ao extremo de uma situação paradoxal: de um lado, a democracia sem povo; do outro, o povo sem democracia. A democracia sem povo é aquela que domina a CPI da vergonha, os inquéritos ilegais, os institutos de pesquisa, o sistema eleitoral e, é claro, os meios de comunicação “profissionais”. O povo sem democracia é aquele que sofre com as imposições ditatoriais de prefeitos e governadores, a crise econômica provocada pela guerra biológica, a impunidade dos criminosos e a punição dos inocentes.
No romance Fahrenheit 451, Ray Bradbury conta-nos de um tempo em que os bombeiros não apagam fogo, mas provocam incêndios. Mesmo escrito há quase 70 anos, o livro retrata simbolicamente a inversão essencial que caracteriza a nossa época. Assim, empresários bem-sucedidos e pagadores de impostos são atacados por políticos corruptos e multiprocessados; médicos que salvam seus pacientes são atacados por burocratas que negam as mais fartas evidências empíricas; juízes supremos pisoteiam a lei que deveriam defender; jornalistas “profissionais” defendem a censura e impedem o fluxo de informações.
Mas a democracia sem povo não pode se limitar a negar a realidade; precisa também transformá-la em crime. E a forma mais simples e eficaz de fazer isso é transformando as pessoas comuns em inimigos públicos. Já estamos vendo isso acontecer com as pessoas que pretendem exercer sua liberdade de escolha em relação às vacinas experimentais contra a covid. O patronato político quer estigmatizar os defensores da liberdade como uma casta de párias sociais, bodes expiatórios para todo o mal que foi provocado desde o início da pandemia. Os não vacinados são os novos leprosos; e devem ser humilhados por se negarem a obedecer.
No início de O Livro do Riso e do Esquecimento, Kundera cita uma frase antológica de seu personagem Mirek: “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento”. Nós não vamos esquecer todo o mal que vocês, donos do poder, estão fazendo contra o povo brasileiro, e não vamos permitir que as futuras gerações esqueçam. Porque temos olhos para ver, ouvidos para ouvir e inteligência para reconhecer a estrutura da realidade. O povo, mesmo sem democracia, vai vencer a falsa democracia sem povo.
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