Por Ismael Almeida
O debate sobre o sistema eleitoral brasileiro voltou à tona com força nos últimos meses. É bem verdade que o alarido causado toda vez que o Presidente da República toca no assunto acaba contaminando o debate e não ajuda a tratá-lo de maneira objetiva e isenta de paixões políticas. Mas, nem por isso deve continuar sendo encarado como tabu, sobretudo por aqueles que têm apreço à democracia.
Na verdade, todo esse debate se resume a duas questões. Sem ver seu voto materializado, como o eleitor pode ter certeza de que a sua escolha foi realmente registrada? Sem escrutínio público, como saber que sua escolha registrada foi realmente contada? A única resposta possível a essas perguntas é a que considera que deve haver um sistema de contraprova, independente do software da urna, para garantir o direito do eleitor. É aí que surge o chamado “voto impresso”.
É importante esclarecer, de pronto, que não se trata, em hipótese alguma, do retorno ao voto em cédula, que foi o método adotado no Brasil até antes de 1996. Na verdade, trata-se de um aperfeiçoamento do sistema eletrônico atual que permitiria, além da segurança do voto computado, um backup físico para uma eventual recontagem ou auditoria.
Apesar de ocupar espaço nas mídias agora, o debate sobre eleições transparentes não é novidade. Em 1982, o caso Proconsult, denunciado por Leonel Brizola no Rio de Janeiro, fez com que o PDT fizesse do voto impresso uma bandeira do partido a partir de então. Em 2015, o PSDB de Aécio Neves, após auditoria no sistema, constatou que a urna eletrônica é inauditável.
Como resposta a esses questionamentos, o Congresso Nacional aprovou, em 2015, uma nova lei obrigando que, nas eleições de 2018, a urna imprimisse o registro do voto, que seria depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. A então Presidente Dilma vetou o projeto. O Congresso derrubou o veto, na sequência. Mas a medida foi sepultada pelo STF em 2018.
Percebam que a questão fundamental aqui é de ordem jurídica, e não de tecnologia ou segurança da informação. O voto é o objeto de uma relação jurídica chamada sufrágio universal, sobre a qual se fundamenta a própria existência do estado democrático de direito. Nesse sentido, a urna é, ou deveria ser, apenas o instrumento usado para garantir, de forma transparente, a materialização da vontade popular.
Mas, se o instrumento utilizado é alvo da desconfiança de um eleitor que seja, há que se prover meios incontestes para que a dúvida desse eleitor seja facilmente sanada. Entretanto, a busca sincera pela resolução dessa questão foi interditada quando a urna passou a ser, ela própria, o bem jurídico a ser protegido, e não o direito do eleitor. É evidente que o debate está fora de propósito!
Não foi por outra razão que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha rechaçou o uso de sistema eletrônico de votação em 2009. Para a Corte alemã, um evento público, como uma eleição, implica que qualquer cidadão possa dispor de meios para averiguar a contagem de votos bem como a regularidade do decorrer do pleito, sem possuir, para isso, conhecimentos especiais. É o óbvio ululante, mas que, por aqui, não pode ser dito sem o risco de ser censurado ou ridicularizado.
Portanto, fica evidente que não há justificativa para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) negue ao país o aperfeiçoamento do sistema eleitoral. Estamos atrasados! Matéria da Folha de São Paulo, de junho de 2021, traz um dado pitoresco: Brasil, Bangladesh e Butão são os únicos países que ainda utilizam urnas de primeira geração (que não permitem a impressão do voto). Ora, esse foi o passo seguinte dado por países que adotam urnas eletrônicas, como Bélgica, Bulgária, Índia e Argentina.
Enfim, a questão tem mais a ver com confiabilidade do que com tecnologia. Esse aperfeiçoamento deveria interessar a toda sociedade e classe política, independente de cor partidária. Nosso sistema pode até ser um dos mais seguros e servir de modelo para o mundo, mas, se não tem credibilidade perante uma parte da sua própria população, ele é falho na origem e compromete a legitimidade dos eleitos. É a mesma lógica aplicada à mulher de César: ao sistema, não basta ser honesto, ele tem que parecer honesto!
Fonte: Vida Destra
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